Brasil: quem mantém Stephanes?
Se no Brasil valessem os princípios republicanos e não as conveniências políticas, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, estaria procurando emprego novo há muito tempo. Ele tem sido pródigo em omitir-se nas suas atribuições legais e chegou até a causar constrangimento internacional a Lula, quando defendeu a plantação de cana na Amazônia
Tantas foram as lambanças de Stephanes na Agricultura, que é o caso de perguntar: o que ele ainda continua fazendo lá? Quais forças políticas o mantêm em um dos Ministérios que mais geram caixa para o governo federal, tomando decisões que influenciarão a agricultura brasileira por décadas?
A mais recente trapalhada veio à tona na semana passada, em audiência que a Comissão de Agricultura do Senado convocou para o Ministro explicar as razões do boicote da UniãoEuropéia (UE) à carne brasileira.
Ele admitiu que “o Brasil chegou a exportar carne bovina não-rastreada para a Europa, em decorrência das falhas no processo de acompanhamento de bovinos e na certificação de produtos exportados para o bloco” (O Globo, 14/02). Resultado: a UE suspendeu as importações de carne bovina brasileira causando, segundo o próprio Stephanes, prejuízo diário de 5 milhões de dólares ao País.
Na segunda (18), o Valor Econômico publicou denúncia da ong Contas Abertas mostrando que o sistema de rastreamento do gado bovino (Sisbov) do Ministério da Agricultura “gastou só 27,6% dos R$ 1,95 milhão disponíveis para os cinco principais programas de certificação da origem e movimentação de insumos e produtos agropecuários”
À noite, a Globonews mostrou que há quase um ano a representação diplomática do Brasil em Genebra já havia alertado a Agricultura sobre as cobranças da UE e as ameaças de suspender a compra de carne brasileira.
As trapalhadas de Stephanes começaram em setembro passado, quando o Ministro estimulou a plantação de cana na Amazônia para produção de álcool – algo prontamente negado pelo próprio presidente da República, que se esforça para vender mundialmente o álcool brasileiro como o combustível verde que substituiria o petróleo. O mais grave, entretanto, ainda estava por vir.
Stephanese seu colega da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, admitiram (FSP, 29/01) que, sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas.
"Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste, já existem plantações com sementes contrabandeadas",disse Rezende. “Principal aliado de Rezende no debate dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, confirma que o milho vai pelo mesmo caminho das duas únicas variedades de soja e algodão geneticamente modificadas, cuja comercialização é autorizada do país: elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal. "Não obstante toda a fiscalização, acontece o contrabando", confessou Stephanes.
Nesse caso, houve clara intenção de vincular uma situação de fato – a contaminação da safra brasileira pela inação do Ministério - com uma medida legal, que seria tomada mais tarde: a legalização do milho geneticamente modificado das empresas Bayer e Monsanto.
Na terça (12/02), ele – em conjunto com Rezende e outros cinco ministros-, votou no Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11membros, pela aprovação do milho geneticamente modificado das duas empresas no Brasil. O voto de Stephanes, que relatou o processo, desconheceu a análise técnica do Ibama e da Anvisa. As agências argumentam que não existem estudos que atestem a inocuidade de commodities agrícolas transgênicas tanto para o meio ambiente quanto para o consumo humano.
Isso é particularmente grave para um país “megadiverso”, como o Brasil, que possui 12% da diversidade biológica conhecida no planeta, e que exatamente por isso carece de precaução para evitar contaminações em grande escala (como já aconteceu no México). Ambientalistas também chamam a atenção para outro dado.
“OBrasil é centro de diversidade genética do milho.Apenas no Centro-Sul do Paraná já foram identificadas 145 variedades de milho. Essa diversidade é incompatível com o monopólio dos transgênicos e desempenha papel fundamental na segurança alimentar, geração de renda e autonomia tecnológica de milhares de famílias”, chama a atenção a Assessoria a Projetos em Agricultura Alternativa (As-PTA).
Stephanes tem enorme capacidade de errar, sem receber qualquer sanção mais séria. De fato, sua permanência no cargo está envolta em mistério.
Carlos Tautz, jornalista
O Globo Online, Brasil, 20-02-08