Brasil: novo diretor da Embrapa apóia agronegócio

Idioma Portugués
País Brasil

Crestana diz que empresa buscará parceria com iniciativa privada; foco na agricultura familiar é abandonado

O novo diretor-presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Silvio Crestana, 50, apresentou ontem o plano de ação da estatal, no qual há intenção de "estabelecer parcerias com a iniciativa privada, que visem a sustentabilidade do negócio agrícola".

Outro objetivo, segundo ele, é "ampliar a competitividade do negócio agrícola". Na visão de Crestana, a "agricultura faz parte do sistema industrial". Um dos objetivos é "consolidar a posição de liderança mundial no negócio agrícola".

A Embrapa é uma estatal subordinada ao Ministério da Agricultura. No final de janeiro, o ministro Roberto Rodrigues demitiu toda a diretoria da empresa, após dois anos de divergências nos bastidores. Com a demissão da diretoria anterior, a intenção do governo foi priorizar projetos ligados ao agronegócio, em detrimento da agricultura familiar.

O diretor-presidente anterior da Embrapa era Clayton Campanhola, uma indicação do PT.

Em abril de 2003, no 30º aniversário da estatal, Campanhola enfatizou o fortalecimento da agricultura familiar: "Chegou a vez de abraçar uma missão crucial que ficou para trás: viabilizar o segmento de pequenos agricultores esquecidos no processo de modernização". O atual diretor-presidente é físico e funcionário da Embrapa desde 1984.

Agricultura familiar

Ontem, na entrevista coletiva, Crestana evitou esse enfoque e destacou a importância da agricultura familiar. "Não há descontinuidade. Se pudermos estimular ainda mais a agricultura familiar, faremos", disse. Na apresentação, Crestana mencionou também parcerias entre órgãos do governo, setor privado, terceiro setor e ONGs, "em especial no apoio a políticas públicas relativas à agricultura familiar".

Essa, no entanto, é a única vez que a agricultura familiar é mencionada no documento apresentado ontem, de 17 páginas. O termo "negócio agrícola" aparece quatro vezes.

Crestana reclamou da falta de verbas para a Embrapa. Segundo ele, o orçamento da empresa deveria aumentar em aproximadamente R$ 400 milhões para voltar aos níveis de 1996. O orçamento da Embrapa neste ano é de R$ 877 milhões. Desse total, apenas 10% vão para investimento. O restante é usado para pagamento de pessoal e custeio.

Ele disse que o investimento em pesquisa no país, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas no país), deverá aumentar nos próximos anos, saindo de menos de 1% para 2% em até sete anos. O ideal, segundo Crestana, é chegar a 3% ao longo do tempo.

Transgênicos

Quando demitiu a diretoria anterior da Embrapa, Rodrigues avaliava que a empresa, mesmo sendo um órgão subordinado ao ministério, não ficava ao seu lado nas batalhas para a liberação do plantio de soja transgênica no país. A diretoria anterior defendia mais pesquisas antes de uma liberação total, posição semelhante à da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.

Ontem, Crestana foi cauteloso ao abordar o tema, mas enfatizou a necessidade de o país continuar pesquisando o assunto, dentro dos limites estabelecidos pela lei. "Não depende de nós uma decisão em relação ao que devemos fazer do ponto de vista da comercialização [da soja transgênica]. Cabe a nós trabalharmos muito bem a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação", afirmou.

Segundo ele, o Brasil tem de continuar as pesquisas para não perder terreno em relação a outros países. "Nessa arena, o nosso referencial não é só o Brasil. Temos de olhar para o mundo todo. Não podemos deixar de fazer o que é melhor em biotecnologia, e um dos componentes da biotecnologia é a transgenia", disse.

"Por que nós deveríamos ter uma posição inferiorizada em relação ao conhecimento, em relação à informação, à tecnologia que existe, que há de melhor no mundo?", questionou.

Folha de São Paulo, Brasil, 19-2-05

Comentarios