Brasil: movimentos pedem devolução de sangue Ianomâmi
"Para os Yanomami, de acordo com o especialista Bruce Albert, um vestígio de pessoas mortas pode impedir a partida completa de seus espíritos. "Os velhos estão com raiva. Os americanos precisam devolver o sangue dos mortos", afirma o líder Davi Kopenawa"
De acordo com reportagem da revista Época de 6 de junho o procurador federal em Roraima, Marcus Marcelus Gonzaga Goulart, prepara uma ação civil pública para repatriar "uma nova espécie de tesouro nacional, as 12 mil amostras de sangue ianomâmi estocadas desde os anos 60 em univerfsidades americanas para pesquisas com DNA". Por outro lado, o sítio eletrônico Antropologia Pública, liderado por Robert Borofsky nos Estados Unidos, promove uma consulta aberta sobre o referendo da Associação Americana de Antropologia a respeito da devolução das amostras de sangue do povo Yanomami - e também de um novo código de ética para os pesquisadores que lidam com comunidades indígenas e tradicionais.
É o que a jornalista Eliane Blum, da Época, define em seu texto como "a guerra do DNA indígena" - onde os protagonistas não são mais grileiros e madeireiros, mas cientistas, instituições acadêmicas respeitáveis e multinacionais. "Diferentemente do passado, os pesquisadores encontram hoje lideranças experimentadas na luta pela terra, que agora barram o que consideram outro tipo de colonialismo - sobre o território do corpo".
Esse movimento de lideranças brasileiras como David Yanomami e de antropólogos americanos como Robert Borofsky é um dos mais importantes do complexo jogo da biopirataria, que vai se tornando mais e mais delicado com os grandes interesses em jogo. Embora tenha ganhado outras denúncias recentes na CPI da Biopirataria, como o tráfico de sangue dos povos Suruí e Karitiana de Rondônia, o caso Yanomami é um dos mais barulhentos do planeta depois de narrado no livro "Trevas no Eldorado", somente no ano passado traduzido no Brasil pela Ediouro.
Para os Yanomami, de acordo com o especialista Bruce Albert, um vestígio de pessoas mortas pode impedir a partida completa de seus espíritos. "Os velhos estão com raiva. Os americanos precisam devolver o sangue dos mortos", afirma o líder Davi Kopenawa. A falta de habilidade em lidar com o diálogo intercultural é apontada como o principal problema dos pesquisadores.
"É preciso ter cuidado com solicitações como essa. As crenças podem atingir uma investigação que beneficia toda a humanidade", rebate Francisco Salzano, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma lenda na área de genética e em especial em DNA indígena. Ele usa praticamente os mesmos argumentos de James Neel, já falecido, que orientou as pesquisas de Napoleon Chagnon entre os Yanomami financiadas pela Agência de Energia Atômica dos Estados Unidos.
Essas pesquisas geraram livros onde Chagnon degradou a antropologia ao mostrar os Yanomami como "um povo feroz", análise depois refutada por outros estudos e pelos próprios líderes indígenas mas que causou muitos danos à imagem daquelas populações que vivem no Brasil e Venezuela. A campanha em curso nos Estados Unidos busca reverter esse processo. "Existem profundas questões éticas no coraçao da antropologia que jamais são encaradas. Como o fato de estudiosos do Primeiro Mundo edificarem carreiras acadêmicas sobre o conhecimento obtido a partir da população do Terceiro Mundo sem que elas recebam qualquer benefício em troca", afirma Borofsky.
A campanha de pesquisadores e cidadãos dos Estados Unidos pretende conseguir com sua pressão fazer pelo menos uma universidade entregar o primeiro lote de devolução de amostras de sangue a Davi Kopenawa no segundo semestre, durante reunião da Associação Americana de Antropologia. A ação civil pública, no Brasil, pode reforçar essa meta conseguindo uma carta rogatória à Justiça dos Estados Unidos para pedir também essa devolução.
Depois da anulação da tentativa de registro comercial do nome do cupuaçu e da anulação da patente de fabricação do cupulate, obtidos por movimentos sociais como a Rede GTA e de pesquisa como a Embrapa em 2004, seria um novo passo no enorme xadrez dos interesses da bioindústria diante das comunidades indígenas e tradicionais no século 21.
Veja mais sobre o tema:
Public Anthropology
Grupo ETC
Biopiratería
Revista Epoca
Comissão Pró-Yanomami