Brasil: invasoras resistentes

Idioma Portugués
País Brasil

Produtores de soja transgênica do Rio Grande do Sul estão enfrentando um problema: algumas plantas invasoras se tornaram resistentes ao glifosato, o princípio ativo dos herbicidas usados no manejo da lavoura

O agricultor Guido Schneider planta soja transgênica em Vacaria, na serra gaúcha, desde 2002. Ele disse que optou por este cultivo porque o manejo é mais fácil.

Senhor Guido usa um só princípio ativo para o controle das invasoras: o glifosato. Ele mata muitas plantas, menos a soja transgênica. Isto porque o grão transgênico tem dentro dele um gene que confere resistência ao glifosato.

Mas em dezembro do ano passado, na hora de preparar o solo para o plantio da soja, senhor Guido se deparou com um problema. Depois de fazer a primeira aplicação com o herbicida, ele percebeu que algumas plantas invasoras sobreviveram, caso da buva, uma espécie nativa do Rio Grande do Sul.

"Tivemos problemas com o glifosato de um litro e meio por hectare. A gente viu que ficou alguma mancha na lavoura, reaplicamos e mesmo assim não controlou. Aí tivemos de trocar o produto", conta.

Na época, a convite do Globo Rural, dois pesquisadores visitaram a fazenda de seu Guido: o agrônomo Leandro Vargas, da Embrapa, e o agrônomo da Universidade de Passo Fundo, Mauro Rizzardi. Eles constataram no campo o que já era sabido nas pesquisas: algumas ervas invasoras estavam resistentes ao glifosato.

Embora o maior impacto da descoberta seja nas lavouras de soja transgênica, o problema começou num pomar também em Vacaria. Foi numa empresa exportadora de maçãs com 1,5 milhão de pés, que o agrônomo César Orlandi notou a resistência pela primeira vez. O agrônomo conta que a empresa usa há décadas o glifosato para matar as plantas invasoras, principalmente o azevem, outro capim nativo do Rio Grande do Sul. "A gente em 2003 buscou informações e o auxílio da Embrapa e começou um trabalho de pesquisa na área. Foi detectado que o azevem estava realmente resistente ao glifosato", relembra César.

O material foi levado para a Embrapa Passo Fundo, para análise. No laboratório, várias plantas invasoras foram testadas. O objetivo era saber se elas estavam de fato resistentes. Dr. Leandro explica o procedimento:

"Sobre uma planta foram aplicadas duas vezes a dose recomendada de glifosato. Sobre outra foram aplicadas quatro vezes, e sobre uma terceira planta, oito vezes a dose recomendada. Mesmo recebendo oito vezes a dose recomendada de glifosato, a última planta sobreviveu e vai produzir sementes. Já sobre as plantas sensíveis, elas morrem com a menor dose ou com a dose recomendada do herbicida. A resistência é um fenômeno natural. Ela vai acontecer sempre que nós utilizarmos um produto demasiadamente. Ela está acontecendo com o glifosato porque nós estamos aplicando repetidamente o mesmo produto na mesma área sobre as mesmas plantas. E as plantas possuem um grande número de genes, e alguns deles são capazes de proporcionar resistência à herbicida. Então não há uma transferência de gene; a própria planta já tem esses genes - eles simplesmente se manifestam devido ao uso repetido de um herbicida".

De acordo com a Embrapa existem hoje cerca de 10 espécies diferentes de plantas invasoras em todo o mundo que não morrem quando submetidas ao glifosato, três delas no Brasil. A que causa mais problemas é o azevem.

Isto porque o capim é cultivado no Rio Grande do Sul e vendido para os produtores de soja fazerem cobertura do solo onde será semeada a soja. É o sistema chamado de plantio direto. Não se limpa a terra toda; deixa o capim para preservar o solo.

"A disseminação do azevem, por exemplo, ocorre de duas formas: uma delas é através do pólen, que é carregado pelo vento e se distribui em toda a área. E a outra que nós temos detectado é através do comércio de sementes. Produtores que produzem semente de azevem vendem para outros produtores e esses acabam então introduzindo em suas áreas azevem resistentes muitas vezes sem nem saber", explica o agrônomo Leandro Vargas.

Quase um mês depois de visitarmos a lavoura de senhor Guido encontramos a lavoura bem desenvolvida. As ervas invasoras foram combatidas com outro produto, usado na época da soja convencional, além do glifosato. O resultado foi um custo bem maior do que ele esperava. "Nós usamos um produto que deu um custo a mais de R$ 40,00 por hectare".

"O agricultor vai ter de fazer uma análise de custo-benefício. O plantio da soja transgênica que nós vínhamos fazendo até agora tinha um custo mais baixo do que esse plantio de soja transgênica com espécies resistentes. Ele vai ter de pesar bem a questão do royaltie, a questão do custo dos novos herbicidas e tomar a decisão se vale a pena economicamente continuar plantando a soja transgênica ou retornar por um ano ou dois anos à utilização de soja convencional", pondera o agrônomo da Universidade de Passo Fundo, Mauro Rizzardi.

A Monsanto nos enviou uma nota sobre o assunto. A empresa afirma que a resistência de plantas daninhas ao glifosato ou a qualquer outro herbicida é um fenômeno natural. A Monsanto diz também que o glifosato, entre os herbicidas, é o princípio ativo que apresenta o menor número de plantas resistentes

Globo Rural TV, Internet, 14-1-07

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