Brasil: indústria quer coibir o ato de salvar sementes
As grandes fabricantes de sementes querem modificar uma das vacas sagradas da agricultura: o ato milenar de salvar sementes, ou seja, de separar grãos de uma safra para uso próprio como sementes na safra seguinte
A multiplicação de sementes, que existe desde a antiga Mesopotâmia, persistiu através dos séculos e está prevista e regulamentada por lei no Brasil. Porém sempre se imaginou que ela ficaria restrita a pequenas propriedades.
Nos últimos anos, contudo, produtores de 10 mil hectares de algodão do Centro-Oeste estão usando sementes salvas para cultivar sem pagar pelo uso da tecnologia, diz Ivo Carraro, diretor da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). Carraro estima que 39% da área cultivada com algodão no Brasil é de sementes salvas ou ilegais, como as transgênicas.
Pequenos produtores de algodão do Paraná não tem tecnologia suficiente para produzir a semente, ao contrário dos grandes proprietários no Centro-Oeste, afirma. Ele diz que os grandes produtores conseguem produzir sementes de algodão com a mesma qualidade e tecnologia das grandes fabricantes, como a Monsanto ou a Bayer Seeds. Os agricultores, no entanto, não podem ser repreendidos porque estão agindo dentro da lei.
Mas se eles deixarem de comprar da indústria, não teremos incentivo para continuar investindo em pesquisa por causa da pirataria, diz Carraro. Ele diz que nos últimos anos o algodão teve ganhos de produtividade excepcionais de 14% ao ano em razão do investimento em pesquisa. Em média, a genética acrescenta, no máximo, 2% ao ano em produtividade, afirma.
Por isso, as indústrias querem propor uma modificação da lei que regulamenta o assunto. Elas querem que o ato de salvar sementes seja limitado apenas às pequenas propriedades.
Na Bolívia, por exemplo, só podem salvar os agricultores que cultivam até 100 hectares, diz Carraro.
Neste ano, a Abrasem lançou uma campanha para conter a pirataria. Por isso, está orientando seus associados a entrarem na Justiça contra os piratas. Ao contrário do agricultor que salva e guarda a semente para uso próprio, o pirata produz em larga escala e vende a mercadoria por um preço que chega à metade da semente legal.
Apesar da vantagem no preço, a semente salva pode trazer consigo fungos ou pragas. Além disso, sua produtividade é menor que a da tecnologia original. Somente a Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento Tecnológico e Econômico Ltda (Coodetec) tem oito ações na Justiça contra cerealistas que piratearam sua tecnologia. Carraro diz que uma indústria do Rio Grande do Sul tem cinco processos em andamento.
A Abrasem calcula que em algumas lavouras, como o feijão, a pirataria chega a 75% da oferta. Na soja, atinge 35%.
Gazeta Mercantil, Brasil, 25-2-05