Brasil: hidrelétrica ameaça cachoeiras em Mato Grosso
A construção de uma hidrelétrica no noroeste de Mato Grosso vai extinguir uma área turística que integra um programa do governo federal de fomento ao ecoturismo na região amazônica
A avaliação é de especialistas em questões ambientais e membros do Ministério Público Estadual.
Segundo técnicos de duas universidades, um complexo de cachoeiras, com mais de 150 metros de quedas d'água, na cidade de Aripuanã, poderá desaparecer caso a hidrelétrica seja construída.
As cachoeiras que formam o Salto de Dardanelos estão localizadas em um pólo do Proecotur (Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo), do governo federal, que tem objetivo de viabilizar o ecoturismo na Amazônia.
O empreendimento de construção da hidrelétrica, que tem um custo de R$ 559 milhões e potência instalada estimada em 261 megawatts/hora, está em fase de estudo autorizado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
O estudo, denominado Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, é uma parceria entre a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil) e a Construtora Norberto Odebrecht.
Filetes d'água
O ecólogo e professor da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) Francisco Arruda Machado afirmou que, com a construção da obra, está prevista uma redução da vazão das cachoeiras, durante sete meses do ano, de 30 metros cúbicos por segundo para 6 metros cúbicos por segundo. "As cachoeiras das Andorinhas e de Dardanelos, que formam o complexo, irão se transformar em dois filetes d'água."
Sérgio Adão Simião, do Centro Universitário de Várzea Grande, disse que "a construção da hidrelétrica, além de destruir a identidade do município, que são as cachoeiras, trará impactos socioeconômicos negativos à região".
Para ele, "a cidade não terá como absorver, em setores como o da saúde e da habitação, as pessoas que se deslocarão para a área durante a construção".
Segundo Dorival Gonçalves Júnior, professor de engenharia elétrica da UFMT, a usina de Dardanelos tem concepção inadequada para o tipo de rio, e a energia gerada por ela sairia cara demais.
A vazão do Aripuanã é extremamente variável: ela vai de 1.520 metros cúbicos por segundo na cheia a 18 metros cúbicos por segundo na seca. Em rios desse tipo, o ideal é fazer o que os técnicos chamam de usina de reservatório de acumulação, com uma barragem. A usina de Dardanelos foi concebida como uma usina de fio d'água, indicada para rios com vazão constante.
"Você vai ter a usina parada vários meses por ano porque não tem água", diz Gonçalves Júnior.
Para piorar, a usina disputaria água do rio com outras duas PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas): uma do governo do Estado, que gera eletricidade para Aripuanã e que usa 12 metros cúbicos de água por segundo, e outra de um empreendedor particular da região, que usa 14 metros cúbicos por segundo. "Na semana passada, o rio teve vazão de 28 metros cúbicos por segundo. Se a nova usina estivesse já em operação, ela teria 2 metros cúbicos por segundo para funcionar", afirma. Outro complicador é que a linha de transmissão que precisa ser construída não está computada no custo da energia da usina, calculado em R$ 800 por megawatt/ hora. Para ser interligada ao sistema energético nacional, ela precisaria de uma linha de 600 km, que dobraria o custo do projeto, orçado em R$ 538 milhões.
Na análise do promotor do Meio Ambiente de Aripuanã, Kledson Dionysio de Oliveira, "se o projeto for realizado, inviabilizará a beleza cênica das cachoeiras". "Suprimir a beleza cênica do local é simplesmente extinguir a área do município do programa do governo federal."
Oliveira disse que o Eia-Rima --estudo e relatório de impacto ambiental necessários para a realização de uma obra-- apresentado pelas empresas não contempla todos os prejuízos que a construção pode causar à região.
"O estudo desconsidera parte da obra. Não considera as linhas de transmissão que terão de ser instaladas. Não é possível conceder um empreendimento de geração de energia, destinado à alimentação do sistema nacional, sem essa previsão."
As empresas Eletronorte e Odebrecht negaram que a construção da obra possa causar as conseqüências apontadas pelos técnicos e pelo promotor de Justiça. Além disso, afirmaram que o estudo e o relatório foram feitos cumprindo todos os critérios do termo de referência emitido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
O procurador de Justiça João Batista de Almeida, do Ministério Público Estadual de MT, classificou de "um golpe de morte ao ambiente da região" a possível construção da hidrelétrica.
O Eia-Rima, divulgado em audiência pública na cidade de Aripuanã no dia 27 de agosto, está sendo questionado pelo MPE.
No dia 1º de setembro, o promotor da 20ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Mato Grosso, Gerson Barbosa, instaurou procedimento investigatório para apurar o caso.
Colaborou Claudio Angelo, editor de Ciência