Brasil: grito dos Excluídos mobiliza milhares
Em sua 12ª edição, manifestação contra política econômica e por melhores condições de vida, organizada por movimentos sociais e o setor progressista da Igreja Católica, aconteceu em diversas cidades e teve versão continental
A 12ª edição do Grito dos Excluídos, em São Paulo, foi a mais maciça dos últimos anos, aglutinando, em seu pico, nos jardins do Museu do Ipiranga, zona sul, cerca de dez mil ativistas. A manifestação teve início na catedral da Sé, na região central, com um culto realizado para mais de duas mil pessoas. Quando iniciaram a marcha de quatro quilômetros para o ato final, os manifestantes foram recebendo adesões pelo caminho.
Trabalhadores de todas as regiões da capital, representando as Pastorais Sociais, a Intersindical (dissidência da Central Única dos Trabalhadores), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Central de Movimentos Populares (CMP), a Conlutas e dezenas de organizações populares.
Realizado anualmente no dia da Independência, a manifestação tem por objetivo protestar contra as más condições de vida da maioria da população e ocorre simultaneamente em diversas cidades brasileiras.
Embora candidatos e partidos políticos não tivessem direito à palavra no palanque improvisado sobre um caminhão de som, militantes do PT, PCdoB, PSOL e PSTU fizeram propaganda de seus candidatos.
Francisvaldo Mendes, dirigente da Intersindical, acusou a política econômica “criada pelo PSDB e mantida pelo PT no governo” de ser a fonte das dificuldades vividas pela população. A fala gerou descontentamento entre petistas presentes no ato, sem maiores conseqüências. Mas José Maria de Almeida, representando a Conlutas, insistiu na tecla. “Os candidatos à presidência da República, tidos como favoritos, escondem suas propostas principais durante essa campanha”. Segundo ele, estaria sendo planejada a aprovação de uma reforma sindical e trabalhista restritiva de direitos e uma nova etapa da reforma previdenciária.
Para Delwek Matheus, dirigente nacional do MST, “o Grito marca o ressurgimento da luta política e a expressão clara da luta de classes existente no nosso país”.
Paulo Pedrino, das Pastorais Sociais, lembro da violência que atinge os mais pobres e afirmou a necessidade de todos lutarem por “pão, terra e liberdade” como única alternativa para uma vida melhor.
Grito continental
Representantes de onze países da América Latina participaram da mobilização em Aparecida do Norte. No próximo dia 12 de outubro, o Grito Continental acontece em 20 países vizinhos do Brasil, com temáticas que vão do desemprego e a fome à migração forçada e os processos de privatizações dos serviços públicos e do acesso à terra. Na República Dominicana, por exemplo, o grito será pelo direito à moradia e à terra e contra os tratados de livre comércio. No Panamá, continua a luta pela forma como vem sendo construída a ampliação do canal do Panamá. Na Bolívia, o Grito é pelo processo de reafirmação da identidade do povo boliviano. Na Colômbia, contra a impunidade diante do extermínio de qualquer forma de organização popular.
Aparecida do Norte
Em Aparecida do Norte, no interior de São Paulo, local onde nasceu o Grito dos Excluídos, a mobilização teve início às 7h da manhã, com uma caminhada do Porto de Itaguaçu até a Basílica Nacional. Ali, além do ato tradicional e da chegada da 19a Romaria dos Trabalhadores, aconteceu também este ano o Grito dos Desempregados. Cerca de três mil pessoas participaram da romaria e cinco mil do Grito dos Excluídos. Vindos sobretudo do interior do Estado, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, participantes de pastorais sociais, de movimentos populares e sindicais, da Campanha Jubileu e do Mutirão contra a Miséria e a Fome mostraram por que a mobilização tem se tornado referência no calendário de lutas dos movimentos.
“O Grito se tornou um espaço de aglutinação. Os movimentos podem ter suas pautas específicas, mas este aqui é um canal articulador, para se pensar o dia-a-dia, porque os excluídos não existem só no 7 de setembro. Se existe exclusão neste país, alguém a produziu; não é ao acaso”, afirma Ary Alberti, da coordenação do Grito dos Excluídos.
Juros da dívida
A primeira edição do Grito já trazia uma crítica ao modelo econômico vigente. Este ano, eles lembraram que o governo tem a estimativa de pagar 179 bilhões de reais para os juros das dívidas interna e externa, enquanto tem investido pouco nas políticas sociais. Segundo a coordenação do Grito, a atual política econômica privilegia os grandes produtores rurais do agronegócio exportador, em detrimento da agricultura familiar. E aponta os números que geram a exclusão: para os 342 mil estabelecimentos rurais, com mais de 200 hectares, que ocupam 13,4% da população rural (2 milhões de pessoas), está previsto um crédito de 44 bilhões de reais para 2005/2006. Por outro lado, para 3,8 de famílias que trabalham em pequenas propriedades, e que ocupam 86% da população ativa no meio rural (14 milhões de pessoas), estão destinados apenas 11 bilhões de reais em crédito.
“São doze anos de grito, mas 500 anos de exclusão, de uma cultura de submissão. Por isso, mais do que nunca o trabalho de base é necessário. Queremos construir um projeto para um Brasil popular. Não basta só ter indignação. A gente tem que se articular e se politizar, para se tornar movimento. Para que cada pessoa que entre no Grito entre como sujeito e como protagonista. Essa é luta”, explica Alberti.
Para representar o lema deste ano – “Brasil: na força da indignação, sementes de transformação” –, foi feita uma mística em que saquinhos com sementes de arroz, feijão e girassol, que continham também palavras como solidariedade e amor, foram distribuídos aos participantes. A idéia é que cada um compartilhe essas sementes e, coletivamente, todos sejam responsáveis por seu crescimento.
Soberania e eleições
Outra marca da mobilização nacional é superar, no 7 de setembro, o chamado patriotismo passivo em vista de uma cidadania ativa e de participação. Com o Grito dos Excluídos, o dia da Pátria vem se tornando, também, um dia de consciência política de luta por uma nova ordem nacional.
“O 7 de setembro é um símbolo da nossa independência, mas de uma independência que ainda não temos. Estamos longe de ter um país livre e soberano. Por isso o povo não pode se dar ao luxo de se ausentar dessas datas. O Grito é um momento de juntar o povo para buscar mais energia para a renovação das nossas esperanças, o que se faz no dia a dia”, acredita Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, membro da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e da Central dos Movimentos Populares (CMP).
Na homilia feita durante a celebração na Basílica de Aparecida do Norte, Dom Raimundo Damasceno de Assis pediu que a população não se desanime diante da crise ética e da falta de paz nas cidades, e que vote em candidatos honestos, competentes e comprometidos com o povo. “Estamos no período eleitoral. O povo tem o direito e o dever de escolher com toda a liberdade e responsabilidade nossos governantes”, disse.
Já o bispo José Benedito Simão, que esta semana participou da caminhada pré-Grito realizada na capital, da Brasilândia até a Praça da Sé, no centro de São Paulo – a Romaria da terra -, chamou a atenção para a responsabilidade de cada um. “Sentimos um marasmo da população. As pessoas se empobreceram não só financeiramente, mas no ânimo também. Mas exatamente por isso é que devemos lutar e se organizar. Democracia não é algo dado e sim conquistado”, declarou.
Um dos eixos do Grito é justamente a democracia direta e participativa, definida por bandeiras como o referendo e o plebiscito, aprovados pela Constituição de 1988 e até hoje não colocados em prática.
Brasília
Na capital federal, a oposição entre o Grito dos Excluídos e as comemorações referentes ao dia da independência do Brasil foi mais evidente, pois apenas um gramado separou as duas vias da Esplanada dos Ministérios onde cada ato aconteceu. Enquanto integrantes do governo federal assistiram no camarote reservado às autoridades ao desfile em que símbolos militares foram usados para representar a independência nacional, a cerca de 300 metros cerca de 1.500 militantes de diversos movimentos sociais e organizações que formam o Grito marcharam. O grupo saiu da Catedral, famoso símbolo da cidade, e percorreu a esplanada até a frente do Congresso Nacional, onde o propósito da mobilização foi reafirmado nos discursos proferidos no carro de som.
“O grito dos excluídos é a voz dos que não são ouvidos, do povo marginalizado que não está sendo apartado da distribuição da riqueza que o País produz”, gritou uma das lideranças da mobilização do alto do carro de som. Nas falas, os representantes das entidades criticaram a política do governo federal, defendendo a impossibilidade de uma comemoração quando a situação desigual do País permanece dramática. “Nosso objetivo foi junto com a população que veio para as ruas comemorar o sete de setembro levar a pergunta ‘que tipo de independência temos no Brasil”, disse Marina dos Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Nas críticas, foi recorrente o questionamento sobre a omissão frente ao aumento da dependência do Brasil em relação a outros países. “O Brasil ainda está refém do capital internacional, ainda está refém das empresas multinacionais que se instalam neste país, que pegam nossas matérias primas e que excluem a nossa população e o nosso direito de ter acesso à terra e à educação”, declarou Augustinho Reis, da coordenação do Grito.
Sempre presente à mobilização, à Rede Jubileu Sul ressaltou por meio de seus representantes sua defesa da auditoria da dívida pública brasileira como condição para a quebra da lógica de exclusão vigente no País. “Temos que tocar na causa da exclusão, no que impede o País de gastar com Saúde, Educação, Moradia e Emprego, a dívida brasileira. Somente em 2005, R$ 179 bilhões foram destinados pelo governo para pagar os juros da dívida, enquanto o orçamento da saúde recebeu R$ 30 bilhões e o da educação menos de R$ 15 bilhões”, comentou Maria Lúcia Fatorelli, ligada à rede.
Se questionou os grandes problemas nacionais, o Grito em Brasília não se ateve ao ambiente da Esplanada dos Ministérios e teve como uma de suas principais pautas a reflexão sobre a desigualdade no Distrito Federal, Unidade da Federação tida como a região com maior Índice de Desenvolvimento Humano do País. As lideranças criticaram fortemente esta concepção e denunciaram as brutais diferenças entre cidades dentro do DF. Os integrantes de movimentos usaram exemplos como o da região do Itapoã, que de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) possuir renda familiar de cerca de R$ 400 reais, enquanto no bairro Lago Sul este índice chega a R$ 12 mil por família.