Brasil: divergência política paralisa a nova CTNBio

Idioma Portugués
País Brasil

Reformulado e ampliado após a aprovação da Lei de Biossegurança, o órgão responsável por dar a palavra final sobre a liberação de transgênicos no Brasil acumula mais de 500 processos à espera de análise

Presença do Ministério Público em reunião da comissão causa revolta no setor pró-transgênicos.

Criada em 1995, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) teve seu funcionamento interrompido por cerca de um ano, período correspondente ao final da negociação que levou à aprovação da Lei de Biossegurança pelo Congresso e a sua subseqüente regulamentação pelo governo federal. A retomada das reuniões da comissão, em dezembro de 2005, veio carregada de expectativas, afinal a CTNBio foi confirmada pela nova lei como o órgão responsável por dar a palavra final sobre os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de transgênicos no Brasil. Tudo levava a crer que, reformulada e ampliada, a CTNBio iria recuperar o tempo de trabalho perdido. Seis meses e quatro reuniões depois, no entanto, a nova comissão ainda não começou a limpar uma pauta que acumula 538 processos à espera de análise.

O principal motivo da paralisia da CTNBio é político. A atual formação da comissão tem vários remanescentes de sua encarnação anterior _ famosa pela postura claramente favorável à liberalização dos transgênicos _ e por isso desperta a desconfiança e a vigilância dos setores da sociedade que defendem uma abordagem mais cautelosa sobre o tema. O grupo historicamente mais simpático aos transgênicos, por sua vez, reclama que os adversários estão fazendo de tudo para que, mesmo referendada pela Lei de Biossegurança como responsável pelos transgênicos, a CTNBio não consiga liberar um projeto sequer. Para este setor, a ampliação da comissão de 18 para 27 membros titulares e a criação de mecanismos de acompanhamento externo estariam contribuindo para “melar” o andamento dos trabalhos.

O mais recente motivo de discórdia dentro da CTNBio foi justamente a adoção de um mecanismo de acompanhamento dos trabalhos previsto na Constituição. Por decisão da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, a procuradora Maria Soares Cordioli foi designada para acompanhar e fiscalizar os trabalhos da comissão. A decisão do MPF, que começou a ser cumprida na reunião da CTNBio realizada em 17 e 18 de maio, foi bem recebida pelos setores contrários à liberalização dos transgênicos, que viram na presença da procuradora um auxílio para evitar eventuais excessos pró-transgênicos. A turma da “velha-guarda” da comissão, por outro lado, não escondeu sua indignação e qualificou a presença de Cordioli na reunião como “intervenção branca”.

“Estou contrariado com sua presença”, disse para a representante do MPF o presidente da CTNBio, o professor da USP Walter Colli, assim que abriu a reunião. Segundo o relato de alguns presentes, outros membros da comissão referiram-se à procuradora com expressões como “aliada do atraso”, “cerceadora do desenvolvimento científico” ou “vinda dos tempos da ditadura militar”. A indignação que a presença do MPF causou no setor favorável aos transgênicos foi ainda maior pelo fato de Cordioli ter, no passado recente, ajudado a encaminhar embargos contrários à primeira decisão da CTNBio que, em 1998, liberou o plantio da soja transgênica Roundup Ready sem a realização dos estudos prévios de impacto sobre o meio ambiente e a saúde humana.

Outra decisão do Ministério Público que exasperou parte da CTNBio foi a exigência de que cada membro da comissão assinasse uma declaração de conduta explicitando eventuais conflitos de interesse nos julgamentos de processos a serem analisados. Essa obrigação é determinada pela Lei de Biossegurança e está prevista no regimento interno da CTNBio, publicado em março deste ano, mas não havia sido cumprida até agora. Quando a exigência foi confirmada pela procuradora na reunião, diversos membros afirmaram que não iriam assinar. Terminado o prazo de dez dias para a assinatura estipulado pelo MPF, no entanto, todos os membros da comissão haviam assinado a declaração.

Reação raivosa

Dirigente da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, que congrega centenas de organizações da sociedade civil, Gabriel Fernandes afirma que a ala pró-transgênicos da CTNBio prefere que “prevaleça o obscurantismo” no processo de tomada de decisões efetuado pela comissão: “De forma geral, os que criticaram a presença do Ministério Público na CTNBio são os mesmos que relutam em assinar suas declarações de conflitos de interesses ou defendem um formulário bastante simplificado. Através da assinatura destes termos espera-se evitar favorecimentos pessoais ou privados nos julgamentos da CTNBio”, alerta Fernandes, lembrando que “as declarações de conduta deveriam ter sido assinadas pelos membros da comissão no momento da posse”.

As manifestações de repúdio dos setores da sociedade favoráveis aos transgênicos à presença do MPF nas reuniões da CTNBio foram imediatas. Entidades científicas ligadas às empresas transnacionais de biotecnologia, como a Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), criticaram a “intervenção branca” feita na comissão. O diretor jurídico da Anbio, Reginaldo Minaré, publicou em alguns jornais um artigo intitulado “Em defesa da aplicação da Lei de Biossegurança e da CTNBio”, no qual escreveu que “uma ação junto ao Procurador-Geral de Justiça e ao Corregedor-Geral do Ministério Público é imperiosa para esclarecer a legalidade da ação” do MPF.

A reação mais raivosa dos setores ligados aos interesses econômicos das empresas de biotecnologia veio em forma de um editorial publicado em 31 de maio no Estado de São Paulo, jornal que se notabilizou por sua posição favorável aos transgênicos: “Os ecoxiitas adotaram um estratagema que não engana a ninguém. Consiste em impedir solertemente que a agência dê a sua palavra”, diz o editorial. O jornal acusa o movimento socioambientalista de estar tentando impedir a efetivação da Lei de Biossegurança: “Vencidos na sua pretensão de tornar o Brasil ‘livre de transgênicos’, quando o Congresso, por ampla maioria e depois de infindáveis vaivens, aprovou a Lei de Biossegurança, os ecofundamentalistas e os radicais que abominam o agronegócio em geral se mobilizaram em seguida para que o presidente Lula a sancionasse com vetos que a desfigurariam. Derrotados, tentaram esvaziá-la na sua regulamentação, ainda no ano passado, e de novo fracassaram”, diz o texto.

Agência Carta Maior, Internet, 19-6-06

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