Brasil: congresso quer ser marco contra 'políticas neoliberais' do governo Lula
No ato de abertura, dirigente do MST diz que evento terá de ser marco na resistência contra a nova fase do poder econômico no campo, fortalecido politicamente pelo incentivo estatal
BRASÍLIA – Completamente tomado por militantes do MST, o estádio Nilson Nelson, em Brasília, foi palco da abertura do maior congresso da história do movimento, que reúne esta semana cerca de 18 mil delegados e mais de 500 convidados de várias organizações brasileiras e internacionais.
Depois de uma longa representação teatral da realidade dos trabalhadores rurais, da luta pela terra e dos principais preceitos políticos e ideológicos do MST - a chamada mística -, a dirigente nacional do movimento em Brasília, Marina dos Santos, abriu oficialmente o evento com o posicionamento político do MST sobre os desafios para o próximo período, visto como crucial para o futuro das lutas sociais do país.
“Com certeza, estamos realizando o congresso no momento mais oportuno da História e da correlação de forças na América Latina. Oportuno, porque estamos presenciando em todo o mundo a intervenção do imperialismo através das guerras, da invasão em países para disputar os recursos naturais, dos organismos internacionais como o Banco Mundial, o BIRD e o FMI. Oportuno, porque vivenciamos no Brasil, através da estrutura do Estado burguês, a manutenção dos privilégios e a defesa dos interesses das elites, seja através do Legislativo, Executivo ou do Judiciário”, afirmou Marina.
Segundo a dirigente do movimento, frente à estratégia do governo de priorização das transnacionais, às políticas de incentivo da produção de monocultivos, à liberação e uso de transgênicos e agrotóxicos, e à opção de tratar a Reforma Agrária como compensação social, vem se fortalecendo no campo um novo tipo de poder econômico que tem investido em formas de controle também dos recursos naturais, como sementes, biodiversidade, e água, entre outros.
“Por isso, companheirada, nosso 5º Congresso tem que ser um marco na História da classe trabalhadora. Um marco contra o imperialismo, um marco contra as políticas neoliberais desse governo, um marco contra as transnacionais, um marco na luta por uma legislação que limite o tamanho máximo da propriedade, uma certeza na orientação de Florestan Fernandes: não se deixar cooptar, não se deixar esmagar, obter conquistas para o povo. E, sobretudo um marco na construção de um instrumento de luta que reacenda o movimento de massas e possibilite um projeto político, popular, revolucionário, que resolva os problemas sociais do povo brasileiro, da América Latina e do mundo”, conclamou Marina.
Em um segundo momento, a dirigente do MST reforçou as conquistas do movimento não apenas no campo político, mas também no cultural, uma vez que a formação e a educação dos militantes é uma das principais estratégias do movimento. “Ainda temos muito o que fazer, enfrentar muitos desafios, mas já podemos nos honrar em ter e estar formando nossos próprios médicos, pedagogos, agrônomos, advogados, administradores e a militância num alto grau de consciência política e ideológica. Aprendemos que ninguém é imprescindível, e que quem conduz a organização de massa é o coletivo”.
Sobre a formação política, Marina reforçou que os “inimigos sabem que, mais eficaz do que a morte [de militantes por pistoleiros] para nos derrotar, seria a morte de nossos valores, a morte da crença na nossa profunda solidariedade, da nossa dedicação integral na construção de um novo mundo para nossos filhos e filhas e para as próximas gerações. Não tenhamos dúvidas, podem nos tirar tudo, menos os valores socialistas e humanistas”.
“Precisamos, sobretudo, cuidar e valorizar o nosso maior patrimônio, que é a nossa militância. Esta militância, mesmo com todas as dificuldades e problemas, faz o MST acontecer, cuida e constrói a base de sustentação do Movimento, que é a unidade, a disciplina e a participação”, acrescentou Marina, e concluiu: “do ponto de vista humanista e socialista, o MST já é patrimônio da humanidade, por isso temos que cuidar. Nós não devemos ter medo de ser chamados de revolucionários, porque graças à nossa luta e organização estamos vendo milhares de pessoas que antes passavam fome, hoje se alimentarem com fartura todos os dias. Estamos vendo centenas de pessoas que eram analfabetas, que nunca tiveram a oportunidade de sentar num banco de escola, hoje lendo, escrevendo, e muitos de nós freqüentando a universidade. Estamos vendo pessoas que já estavam em um grande nível de degradação social, hoje com os valores do amor, da solidariedade, da cooperação, do cuidado. Gente com dignidade. Tudo isso é revolucionário”.
“Ringue”
Enquanto o MST buscou reafirmar o caráter evento interno do congresso, espaço destinado à formação e ao debate político do movimento, alguns convidados na mesa de abertura trocaram farpas.
Apesar de ser considerado um “aliado histórico” do PT, o MST reforçou a posição de autonomia em relação ao governo, com o qual mantém um diálogo sobre questões agrárias como buscou fazer com todos os governos, e ao qual aplica a máxima que “qualquer governo é como feijão duro, se não botar pressão, não cozinha”.
Ja o dirigente nacional do PSTU e coordenador do movimento sindical Conlutas, José Maria de Almeida, convidado para a mesa de abertura do congresso, aproveitou o gancho das novas acusações de irregularidades envolvendo nomes ligados ao governo para criticar o presidente Lula e chamar ao enfrentamento, uma vez que os heróis dos movimentos sociais continuariam sendo “os cortadores de cana, os trabalhadores rurais e os operários” – uma alusão à eleição dos usineiros como heróis nacionais por Lula.
Por sua vez, o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, criticou as radicalidades que poderiam por em cheque uma ainda frágil unidade dos movimentos de esquerda, que se unificaram pela primeira vez na jornada nacional contra ataques a direitos trabalhistas e por avanços nas políticas sociais, no último dia 23 de maio.
“Para continuarmos a construir a unidade, teremos que romper amarras”, disse Artur, indicando inclusive possíveis conteúdos mais radicais de textos que seriam estudados e elaborados pelo MST em seu congresso. “Temos que romper com sectarismos e vanguardismos para mantermos a unidade”, concluiu.