Brasil: confiança e controle
"Vertrauen ist gut, aber Kontrolle ist besser." Confiança é bom, mas controle é melhor. O adágio, que só podia ser alemão, sempre vem à mente quando o assunto são órgãos reguladores, que supostamente deveriam proteger os interesses difusos -o meu, o seu, o nosso-, mas só fazem defender os das empresas. Melhor dizendo, na novilíngua do mercado, os da "racionalidade econômica"
Controle, no caso, deve ser entendido como controle social, democrático.
A regra precisa valer tanto para a CTNBio -Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a dos transgênicos, aquela que é técnica antes de ser nacional- quanto para qualquer outro órgão, da Anvisa ao Ibama.
Alguém tem de ter a coragem de impor alguns limites civilizatórios à atividade empresarial, de policiá-la, no bom e velho sentido de fazer valer as regras da pólis.
Transgênicos só porque os agricultores querem, alegando que vão perder competitividade e cortar empregos? Errado.
Desmatar um Alagoas por ano só porque a pecuária e a sojicultura trazem divisas aos montes? Errado.
Deixar de fazer testes cabais de segurança de remédios só porque isso vai encompridar o processo de licenciamento e diminuir o lucro de empresas farmacêuticas? Errado.
O que isso tem a ver com ciência? Tudo.
São decisões de alta complexidade, em que as informações de suporte saem de experimentos e estudos com metodologia científica.
De suporte, veja bem, porque a responsabilidade sempre é política.
Mas o que se vê é a contínua distorção desse processo, com o seqüestro das informações pela retórica indiscutível dos homens-bomba da política econômica.
"A razão está conosco", proclamam.
"Ela está no meio de nós", repetem todos.
Nem tudo está perdido, porém.
Com um pé na cozinha e outro no mato, o brasileiro tem horror de ser tido como "atrasado".
Vive ligado nas tendências do Norte.
Cria a melhor legislação ambiental do planeta e gosta de pensar, nos 12 meses entre uma taxa de desmatamento e a outra, que o Ibama é uma EPA (agência ambiental dos EUA). Come mortadela e arrota peru, diria alguém mais velho e desbocado.
Tendência por tendência, é bom manter um olho no que está acontecendo com a FDA, a endeusada agência de alimentos e fármacos dos EUA.
Depois do escândalo Vioxx e de uma série de livros-denúncia expondo a promiscuidade entre reguladores e indústria, ela se encontra sob fogo cerrado.
A última saraivada rugiu anteontem no periódico científico on-line "Public Library of Science".
O canhoneio partiu da jornalista Jeanne Lenzer.
Ela reuniu, no último dia 15, em Washington cinco "whistleblowers" (denunciantes) da indústria farmacêutica.
Quatro compareceram pessoalmente, entre eles David Graham, que levantou a questão Vioxx dentro da FDA e teve sérios problemas por isso.
O quinto, pesquisador de uma empresa do ramo, falou por telefone, anonimamente.
O relato de Lenzer sobre o encontro você pode ler na internet: plos medicine.
Os americanos, pelo menos, estão começando a desconfiar que controle é melhor do que confiança.