Brasil: comunidades tradicionais levarão reivindincações à Conferência Internacional sobre Reforma Agrária
Com o objetivo de discutir propostas a serem levadas à 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, que começa amanhã (6), na capital gaúcha, representantes de comunidades tradicionais de todo o país participaram hoje do seminário nacional A Questão da Institucionalização do Acesso ao Território de Comunidades Tradicionais Extrativistas e Locais, promovido pelo governo brasileiro
Logo na abertura dos trabalhos pode se constatar a amplitude da diversidade brasileira. Diferentes definições pessoais apareceram quando os participantes dos debates se apresentaram. Por exemplo, quem trabalha em atividades rurais não é só o agricultor ou o pecuarista. Pode ser seringueiro, castanheiro, extrativista, quebrador de coco, pescador. Sem falar que esse mesmo trabalhador pode também reivindicar uma etnia, seja indígena ou de origem africana. Ou ainda, uma origem histórica, explicando como a comunidade da qual faz parte passou a ocupar o espaço em que vive, como quilombola, geraizeiro, catingueiro, vazanteiro, posseiro dos faxinais do Paraná ou dos fundos de pasto na Bahia.
Por meio das propostas que devem ser definidas hoje no seminário, os participantes pretendem assegurar a inclusão no documento final da conferência de um texto que mencione a necessidade de garantia de território para as comunidades tradicionais, considerando a possibilidade de autodefinição dessas populações não só pela origem indígena, mas também racial ou histórica.
Para embasar essas reivindicações, os participantes do seminário baseiam-se na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. O texto da convenção prevê, no artigo segundo, que " a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção".
No entanto, segundo a coordenadora do programa de Promoção de Igualdade de Gênero, Raça e Etnia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Renata Leite, essas questões não estão incluídas nos documentos preparatórios da 2ª Conferência. "Essas comunidades nem sempre se identificam como o Estado propõe. Você discrimina todas as outras formas de autodefinição se só considera legítima a dos indígenas", diz ela. Renata lembra, porém, que o Brasil é o único país que traz ao evento de Porto Alegre representantes de comunidades tradicionais como integrantes da delegação oficial. São uma quilombola, um indígena e um seringueiro.
Segundo o antropólogo Alfredo Wagner, da Universidade Federal do Amazonas e conferencista do seminário, na sociedade brasileira o critério da autodefinição está sob ameaça. "As pessoas acham que todo mundo está querendo levar vantagem", diz ele. Para o especialista, a tramitação de diversos projetos de lei contra o princípio da autodefinição no Congresso Nacional é sintoma de um preconceito hoje comum.
A 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em parceria com o governo brasileiro, começa amanhã (6) e vai até sexta-feira (10). O seminário com representantes de comunidades tradicionais é organizado pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social.