Brasil: caso Syngenta: assassinato de Keno completa 3 anos
Hoje (21/10) faz três anos que empregados da Syngenta, empresa transnacional de sementes transgênicas, atacaram trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutavam por justiça social e soberania popular. O ataque ocorreu na antiga fazenda da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste (PR), onde a instituição realizava experiências ilegais com transgênicos e agrotóxicos
"Feliz serás e sábio terás sido se a morte,
quando vier, não te puder tirar senão a vida."
Francisco Quevedo
A ação da milícia armada ocasionou a morte de Valmir Mota de Oliveira, o Keno, ferindo ainda gravemente Isabel Cardin, entre outras(os) lutadoras(es) do povo. Três anos depois, ninguém foi punido. O processo criminal que apura a responsabilidade pelo ataque armado ainda está na fase inicial. Ninguém da Syngenta foi processado, enquanto oito integrantes do próprio Movimento respondem criminalmente pela morte do trabalhador.
Nessa semana foi iniciada uma ação civil de responsabilização da Syngenta pela morte de Keno e pela tentativa de assassinato de Isabel. Com isso, espera-se que haja a responsabilização judicial da Syngenta pelos crimes.
Até o momento, a luta dos trabalhadores conseguiu transformar a área de experimentos ilegais no Centro de Ensino e Pesquisa em Agroecologia Valmir Motta de Oliveira, inaugurado em dezembro de 2009.
Hoje pela manhã, o crime foi lembrado por acampados e assentados da Região Oeste do estado, juntamente com a família e amigos, durante um ato ecumênico. A celebração aconteceu no cemitério da cidade de Cascavel, onde o militante do MST está enterrado. O ato teve a participação do Reverendo Luis Carlos, na época perseguido por pistoleiros da região.
Empresas transnacionais e violações de direitos humanos
Empresas transnacionais como a Syngenta são diretamente responsáveis por violações de direitos humanos, mas dificilmente respondem por seus atos. A continuidade da luta do povo organizado é fundamental para a responsabilização das empresas e para a mudança de modelo de sociedade, onde a vida realmente seja um bem maior que a propriedade.
Morte do Leiteiro
Carlos Drummond de Andrade
A Cyro Novaes
Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur, empregado no entreposto,
com 21 anos de idade, sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria. E como a porta dos fundos
também escondesse gente que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo, avancemos por esse beco,
peguemos o corredor, depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho, cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom,
não sei, é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente. Bala que mata gatuno
também serve pra furtar a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico, polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue, a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite,
duas cores se procuram, suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom
a que chamamos aurora