Brasil: barragem de Aimorés viola direitos dos pescadores
A barragem de Aimorés (MG) desestruturou vínculos e práticas tradicionais das famílias, assim como interrompeu o acesso ao patrimônio cultural, material e imaterial da região
Essa é a reclamação da maioria dos pessoas atingidas e também de Maria Madeira Pereira, uma delas. “Antes vivíamos bem, o rio Doce passava no fundo do meu quintal, dele que tirávamos nosso sustento”, conta Maria, que ajudava o marido no sustento da família com a pesca artesanal. “A barragem tirou nosso meio de sobrevivência”, diz.
[Maria em foto tirada em 14\03\10 no do acampamento do MAB Aimorés] A UHE Aimorés foi construída na bacia do rio Doce, que atualmente tem cerca de 116 projetos de barragens em andamento. Com a construção da obra, o rio que corta a cidade diminuiu, impossibilitando a pesca na região. “Hoje, se quisermos pescar, temos que andar cerca de 40 km para chegarmos ao rio; muitos desistiram de pescar pelos gastos com a gasolina.”
A inauguração da barragem foi anunciada em maio de 2006. Maria conta que o consórcio construtor da usina indenizou os pescadores com um valor insuficiente.
Segundo o relatório da Comissão Especial, aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), a barragem de Aimorés violou cerca de 11 direitos humanos, sendo um deles a reparação por perdas passadas na construção da barragem. “Com a chegada da hidrelétrica vieram as dificuldades das famílias que sobreviviam da pesca, muitos amigos tiveram depressão e alguns até morreram de desgosto, por não podem exercer mais a única profissão que sabiam fazer”.
“Na feira, ninguém queria mais comprar nossos peixes, eles eram pequenos e adoentados. Via também as outras esposas se separando dos maridos por causa da situação que só piorava com a falta de trabalho”, concluiu.
Ainda conforme o relatório do CDDPH, a barragem trouxe uma série de impactos para a vida das famílias atingidas, e principalmente na vida das mulheres que sofrem profundas perdas que vão para além de bens materiais, como graves problemas de depressão e desilusão associados à desestruturação de suas vidas e ao afastamento do convívio de parentes e amigos. “A barragem tirou a saúde do meu esposo, que ficou sem o modo de trabalho a qual ele estava acostumado, hoje os peixes que conseguimos pescar estão contaminados, isso é muito triste e doloroso para mim”, diz Maria.
No extenso rio Doce, a usina de Aimorés foi construída para geração de 330MW de energia, com um reservatório de 30,9 km quadrados. Além de Aimorés, a barragem atingiu cidades como Itueta, Resplendor e Baixo Guandu (ES), e o discurso desenvolvimentista para os municípios ficou só no discurso.
A desapropriação e seus impactos
Das 70 propriedades rurais da área diretamente afetada pelo lago, 48 localizavam-se na margem esquerda do rio Doce e 22 na margem direita, sendo 15 do município de Aimorés, 32 de Itueta e 23 de Resplendor. Na área urbana de Resplendor foram desapropriados cerca de 247 domicílios (total de 830 pessoas residentes) e 52 estabelecimentos comerciais de serviços.
Com a construção do lago, diversas famílias da zona rural tiveram que mudar para outros lugares sem serem indenizadas pelas perdas materiais. “O lago inundou algumas estradas rurais nas comunidades ribeirinhas, dificultando o acesso ao centro de Resplendor ou mesmo a Itueta, cidade que foi inundada pelo lago e reconstruída sem nem um tipo de infraestrutura para os moradores, que depois de cinco anos ainda não possuem nem a escritura de suas casas na nova cidade de Itueta, impossibilitando as pessoas de terem qualquer tipo de crédito no mercado”.
O Movimento dos Atingidos por Barragens
Maria é militante do MAB na região e optou por ajudar na organização das famílias que se encontram na mesma situação que a sua. “Depois de cinco anos de indignação começamos a nos organizar no MAB para cobrar e reivindicar nossos direitos, pois com o movimento tive esperança e confiança que iríamos conquistar nossos direitos", conta a atingida.