Brasil: assassinato de camponês compromete a Syngenta
Rio de Janeiro. O ataque de homens armados contra um grupo de camponeses que ocupavam um campo experimental da Syngenta compromete esta corporação agrícola européia, em um novo capítulo que movimentos rurais chamam de a luta contra “o latifúndio associado ao agronegócio multinacional”. O crime aconteceu no dia 21 de outubro, quando 200 ativistas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da organização internacional Via Camponesa ocuparam, pela segunda vez, o campo experimental da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, no municipio de Cascavel no Paraná
“Chovia muito e 10 trabalhadores se abrigaram em uma guarita perto da cerca de entrada da fazenda para se protegerem da chuva”, contou à IPS Roberto Baggio, da Coordenação Nacional do MST e da Via Camponesa. Por volta das 13 horas, aproximadamente 40 homens “portando armamento de grosso calibre e em plena luz do dia fizeram um ataque surpresa disparando contra a guarita”, acrescentou. Esses homens “bombardearam e metralharam constantemente em direção à guarita em uma clara tentativa de matar líderes da Via Camponesa e do MST”, ressaltou Baggio. O ataque matou o dirigente camponês Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno.
Na ação armada, que segundo o MST também tinha como alvo outros dois líderes que haviam recebido ameaças de morte, também morreu um dos atacantes e oito pessoas ficaram feridas, entre elas uma mulher que permanece em estado de coma. Com a ocupação, as organizações pretendiam expor experimentos ilegais com organismos geneticamente modificados e multiplicação de sementes de milho e soja transgênicas, segundo uma denúncia apresentada ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
O campo experimental de 128 hectares da Syngenta Seeds, divisão da corporação européia do agronegócio, fica a quatro quilômetros do Parque Nacional do Iguaçú, na fronteira com Argentina e Paraguai, criado em 1939 e declarado, em 1986, patrimônio natural da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). De acordo com o MST, as atividades nesse campo não respeitam a lei que estabelece a distância mínima de 10 quilômetros para realizar experiências com transgênicos, fora do que se considera a “área de amortização”do Parque Nacional.
“Estas multinacionais representam uma ameaça à soberania alimentar dos países. Com a introdução de sementes transgênicas contribuem para contaminar o meio ambiente, a produção de alimentos e a agricultura” com um modelo tecnológico que “aumenta o êxodo rural”, disse Baggio à IPS. “Esse modelo não serve para a agricultura”, acrescentou. Só no Paraná, há 300 mil famílias de pequenos agricultores e cerca de 40 mil produtores médios e grandes “que adotam esse pacote tecnológico das grandes multinacionais com sementes e produtos venenosos, que, assim, afeta a maioria de pequenos produtores de alimentos”, afirmou.
As ações contra a Syngenta são parte de uma “luta para preservar a soberania alimentar” no contexto de um “casamento entre o agronegócio nacional com o capital internacional”, argumentou Baggio. “Como pode uma empresa multinacional instalar-se em uma área de proteção ambiental, cometer crimes ambientais identificados por órgãos oficiais e ninguém tomar uma atitude?”, perguntou o dirigente do MST. O que chamou a atenção do especialista em questões agrárias como Bernardo Mançano Fernande e a Anistia Internacional no incidente foi o grau de violência. Esta organização pediu ao governo o esclarecimento dos fatos.
“Não é comum multinacionais apelarem para este tipo de violência”, disse Fernandes, professor de geografia na Universidade Estadual Paulista em entrevista publicada no site do MST. Em geral, essas corporações “buscam meios político-legislativos para ter o controle dos territórios e dos modelos produtivos. Esses meios são sempre violentos porque afetam milhares de pessoas. E na região de Cascavel uniram-se utilizado o atrasado e o moderno e, finalmente, empregando violência física”, disse o especialista.
Em resposta à consulta da IPS sobre a versão da Syngenta, a assessoria de imprensa da corporação, Publicom, enviou uma nota em que assegura que o campo de pesquisa, de 128 hectares, contém 73 utilizados para atividades agrícolas, enquanto a área restante é destinada à conservação e ao reflorestamento. Em 1996 a Syngenta obteve um certificado de biossegurança (CBQ 001/06) que lhe permitiu realizar sua pesquisa sobre melhoramento genético de milho e soja, assegurou a assessoria. Em 1998, iniciou um programa de melhoramento da soja com a intenção de desenvolver linhagens de alto desempenho, adaptados à região sul “devido à preferência dos produtores do sul do Brasil pela soja tolerante ao glisofato”, afirma o texto.
A nota enviada pela Syngenta à IPS diz também que antes da primeira ocupação do MST, em março de 2006, o Ibama havia multado a empresa “pelo que chamou de cultivo ilegal de soja e milho geneticamente modificados na área de amortização do Parque Nacional do Iguaçu, cuja dimensão foi interpretada como sendo de 10 quilômetros”. Porém, o Tribunal de Justiça do Paraná suspendeu a multa e expediu uma contra-ordem, alegando que a companhia estava devidamente autorizada a realizar suas atividades dentro da estação de pesquisa pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, órgão ao qual compete essa decisão.
Através de um decreto presidencial foi estabelecido o limite das zonas de amortização e “isso também confirmou que a Syngenta não fez nenhum cultivo ilegal na área”, segundo o texto da assessoria de imprensa da empresa. A corporação destacou que possui a documentação “correta, valida e apropriada” exigida pela legislação federal para o cultivo e “total dedicação” às suas atividades de pesquisa na região. A respeito do crime do último dia 21, a Publicom enviou à IPS um comunicado datado de 24 de outubro intitulado “Incidente na estação de pesquisa da Syngenta”, onde afirma-se que foi registrada denúncia da ocupação em uma delegacia de polícia local.
A Syngenta acrescentou que a empresa “terceirizada e regulamentada” contratada para cuidar da estação foi instruída para sair do local e não se opor à entrada dos integrantes do MST que ocuparam o campo. A companhia negou com “veemência todas as alegações de que solicitou à empresa terceirizada que retomasse a estação ou se envolvesse em um confronto armado”. De acordo com o comunicado, a “Syngenta mantém uma cláusula em seu contrato com essa empresa pela qual os profissionais terceirizados daquela unidade devem prestar serviço desarmados e não devem fazer uso da força ou portar armas na proteção e vigilância da estação de pesquisa”. O MST, a Via Camponesa e outras organizações sindicais e humanitárias do Brasil pedem que a Syngenta se retire do País. (IPS/Envolverde)
Por Fabiana Frayssinet, da IPS