Brasil: “as chances de vitória dos indígenas são ótimas”, afirma antropólogo
Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Carlos Caroso, elogia relator Ayres Britto e afirma que, a partir da decisão do STF, os poderes públicos poderão se coordenar melhor para promover as homologações necessárias no país
Eduardo Sales de Lima
Da Redação
Após o voto do ministro Carlos Ayres Brito, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) pela manutenção da homologação do território indígena Raposa Serra do Sol, no dia 27 de agosto, setores da sociedade que defendem a Constituição de 1988 ficaram mais otimistas em relação à demarcação definitiva das terras indígenas em área contínua. Agora, acredita-se que a maioria dos votos irá acompanhar a decisão do relator.
Para o presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Carlos Caroso, “as chances (da vitória dos indígenas) são ótimas. Isso servirá de base para outras decisões, para que no futuro não haja contestações. Nós, antropólogos, acreditamos que, a partir daí, os poderes públicos possam se coordenar e promovam a homologação das terras necessárias”, disse.
Direitos dos povos
O voto de Britto guiou-se pela Constituição. Afirmou que os indígenas não representam nenhum tipo de ameaça à soberania, ao pacto federativo e ao desenvolvimento. Britto lembrou que o Estado pode e deve proteger, além de estar presente nas terras indígenas, por meio de militares e da assistência à saúde e educação, que são direitos dos povos. “Se o Poder Público se faz ausente em terras indígenas, tal omissão é de ser debitada exclusivamente a ele, Estado, e não aos índios brasileiros”, ponderou Britto.
Ele também ratificou não existir antagonismo entre desenvolvimento e povos indígenas, afirmando que o Poder Público pode tirar proveito das diferenças econômicas tradicionais e regionais para “diversificar o potencial econômico dos entes federativos”.
Além do voto favorável de Britto, outro ponto considerado positivo foi a pluralidade de representações aceitas pelo STF na Ação Popular. “Até um dos invasores foi admitido na Ação 3388; chama-se Lawrence Manly Hartz, um estadunidense que possui família na Guiana”, lembra Paulo Maldos, assessor político do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). O ministro Carlos Menezes Direito, pediu vistas do processo, por isso, o julgamento foi suspenso, mas é provável que seja retomado neste semestre.
Ameaça à soberania
No entanto, mesmo com o cenário propenso a uma vitória judicial para os povos indígenas da Raposa Serra do Sol, representantes do agronegócio, de parte da mídia corporativa e de setores das Forças Armadas continuam questionando a autonomia e a propriedade das terras dos povos originários brasileiros.
O principal argumento utilizado por esses setores é de ameaça à soberania nacional. Argumento frágil, acreditam analistas, visto que as terras indígenas são territórios pertencentes à União, onde o exército brasileiro goza de toda liberdade de entrar e sair. Dom Erwin Kräutler, bispo de Xingu (PA) e presidente do CIMI lembra que, bem antes da sociedade discutir a questão da Raposa Serra do Sol, “os indígenas em Roraima já defendiam a soberania brasileira. Eles foram vanguarda”.No entanto, ele acredita que há uma onda anti-indigenista em pelo curso no país. “Sofro com a força da volta de toda essa aversão aos indígenas”, lamenta.
A Polícia Federal comprovou que os arrozeiros foram assessorados (com táticas militares) pelo general Gélio Fregapani, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em Roraima. Fregapani é amigo pessoal do líder arrozeiro Paulo César Quartiero e, de acordo com Paulo Maldos, assessor político do CIMI, trabalhou como orientador dos pistoleiros que feriram dez indígenas, dia 5 de maio deste ano. “Qualquer integrante de movimento social que fizesse isso teria sido preso”, salienta o assessor político do CIMI.
Povos originários
Maldos também aponta uma das estratégias utilizadas pelos produtores do agronegócio no Brasil, representados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Eles invadem terras de povos originários para se antecipar à disputa judicial”, diz. Depois, se defendem com o argumento de que estão “trabalhando na terra”.
O General Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar, declarou ao jornal francês Le Monde, no dia 8 de agosto que “a política de demarcação da Funai vai contra os interesses da Nação e deve ser interrompida.” Para Maldos, a declaração do General Figueiredo fere a Constituição. “O projeto da ditadura dos anos 1970 era de integrar os indígenas, era uma idéia genocida. O racismo os impede de ver o óbvio”.
O Bispo de Xingu reforça a opinião de Maldos. “Isso é obsoleto e anacrônico. Não estamos mais em 1964. Há uma minoria nas Forças Armadas que pensam assim; conheço outros que não entendem dessa forma e, na própria Assembléia Constituinte (que originou a Constituição de 1988), muitos militares eram a favor dos indígenas”, afirma Dom Erwin Kräutler.