Brasil: a reforma agrária em 2006: a política do agronegócio venceu

Idioma Portugués
País Brasil

No último artigo, informei que, embora o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA/INCRA) tenha anunciado que havia assentado 136.358 famílias em 2006, isto não era verdade, pois eles continuam somando todas as metas do segundo Plano Nacional de reforma Agrária (PNRA) e divulgando como se fossem apenas assentamentos novos (Meta 1)

Informei também que, feito os expurgos e a reclassificação dos dados, tivemos: reassentamento fundiário: 165 famílias; reordenação fundiária: 31.120 famílias; regularização fundiária: 59.294 famílias e reforma agrária de fato (Meta 1 do II PNRA): 45.779 famílias.

A distribuição pelas regiões brasileiras e seus respectivos estados, mostra que a política de reforma agrária do governo LULA está marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio do agronegócio e, fazê-la nas áreas onde ela possa “ajudar” o agronegócio. Ou seja, a reforma agrária está definitivamente, acoplada à expansão do agronegócio no país. Aliás, não custa lembrar mais uma vez que, é por isso que a portaria com os novos índices de produtividade dos imóveis rurais, não foi assinada até hoje.

Mas, vejamos como ficaram distribuídos os assentamentos da reforma agrária em 2006 (Meta 1) depois dos espurgos:

- Na região Sul, foram apenas 932 famílias, sendo 184 em Santa Catarina, 348 no Rio Grande do Sul e no Paraná 400 famílias. Um resultado ridículo e quase nenhuma manifestação.

- Na região Sudeste, tivemos 1.949 famílias assentadas, ficando São Paulo com 697 famílias, Rio de Janeiro com 271, Espírito Santo com 171 e Minas Gerais com 810 famílias. Resultados pífeos, como se a reforma agrária fosse extemporânea.

- Na região Centro-Oeste, assentou-se 7.761 famílias, sendo que 2.318 estão no Mato Grosso do Sul, 2.718 em Goiás, 316 no Distrito Federal e entorno, e 2.409 famílias em Mato Grosso. Talvez, nesta região pudesse a reforma agrária mudar a lógica do domínio do latifúndio, mas, ficou somente no mas...

- Na região Nordeste, foram 24.039 famílias assentadas, porém, a distribuição pelos estados foi muito desigual, ou seja, no estado da Bahia tivemos 2.336 famílias, em Sergipe 424, em Alagoas 263, em Pernambuco 7.163 famílias (somente em Catende foram 4.271), na Paraíba 316, no Rio Grande do Norte 379, no Ceará 490, no Piauí 5.066 e no Maranhão 7.602 famílias. Parece que nesta região, a tese hegemônica sobre a reforma agrária do guru dos “jovens” do MDA/INCRA pode ser realizada, por isso: assentamento somente longe das terras dos “coronéis”, velhos ou novos, não importa.

- Na região Norte, tivemos o assentamento de 11.098 famílias, ficando o Tocantins com 1.637 famílias, o Pará com 8.103, o Amapá com 161, em Roraima 761, no Amazonas 31, em Rondônia 182 e no Acre 223 famílias. Parece também, que a tese do MDA/INCRA, aliada à tese do Ministério do Meio Ambiente, pode ter resultado na combinação entre grilagem de terra, apropriação da floresta e sua própria devastação, para a expansão da pecuária.

Assim, pode-se observar que nas regiões onde o agronegócio tem sua força econômica – Sul (2%), Sudeste (4%) e Centro-Oeste (17%) – foram assentadas apenas 23% do total das famílias. O Nordeste, por sua vez, ficou com 52% das famílias e o Norte com 24% delas. Como é possível ver, não foi feita a reforma agrária no Centro-Sul porque o MDA/INCRA não quer, pois nestas regiões onde domina o agronegócio, há muitos latifúndios improdutivos no Cadastro do Incra. Por exemplo, no Rio Grande do Sul há 1.697 grandes imóveis ocupando um milhão e 217 mil hectares; no Paraná 2.212 grandes imóveis controlando um milhão 681 mil hectares; em São Paulo 3.885 grandes imóveis, ocupando 2 milhões e 558 mil hectares; Minas Gerais 5.022 grandes imóveis controlando 6 milhões e 500 mil hectares; e no Mato Grosso há 9.750 grandes imóveis controlando 34 milhões e 300 mil hectares improdutivos.

Repetindo, a reforma agrária não é realizada porque o MDA/INCRA não quer desapropriar os grandes imóveis improdutivos destes estados para não “desestabilizar” o agronegócio.

Enquanto isso, o governo vai dando “desculpas esfarrapadas” aos movimentos sociais e sindicais, que, também, já não acreditam mais nelas. Surge assim, um novo tipo de lógica entre o governo LULA e os movimentos sociais e sindicais: um finge que faz a reforma agrária, o outro finge que acredita.

Mas, é preciso ressaltar o fato que mais chama atenção nos dados oficiais do MDA/INCRA: a “jovem” SR 30 de Santarém (ela tem apenas dois anos) informou ter assentado 33.700 famílias e a SR-01 em Belém outras 20.072 famílias, que se somado as 6.886 famílias ditas assentadas da SR-27 de Marabá, perfazem um total de 60.638 famílias assentadas no estado do Pará. Estes dados poderiam ser considerados o maior recorde da reforma agrária no Brasil, e o superintendente da SR-30 ser considerado (como parece que foi pelo Presidente Lula) o “homem” da reforma agrária.

Ledo engano, porque estes “ditos” assentamentos foram, em sua maioria absoluta, “feitos” no final do ano passado, e como se sabe, não há recursos humanos e materiais naquela unidade para se alcançar estes resultados. E mais, como já escrevi no livro “Conflitos no Campo – Brasil 2005” da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o estado do Pará é a “bola da vez” na grilagem das terras públicas brasileiras.

É muito provável, que esta “façanha” esteja encobrindo uma nova estratégia para a continuidade da delapidação do patrimônio público na Amazônia. A diferença é que, agora, a reforma agrária é o “instrumento” para a ação criminosa. Esta história será contada para todos vocês no próximo artigo.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).

RadioagênciaNP, Brasil, 10-08-07

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