Brasil: a guerra obscura da CTNBio
Faz sete anos que o Brasil se debate, mais do que debate, com a questão dos transgênicos na agricultura
Desde a primeira liberação comercial autorizada, em 1998, várias batalhas foram travadas entre dois campos inconciliáveis, caricaturalmente representados como "cientistas" versus "ambientalistas". Com o decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança aguardado para estes dias, muita gente acredita que a última e decisiva batalha será travada. Tomara.
O único consenso, nessa história toda, é que o país inteiro saiu perdendo. Sete anos é tempo demais para tomar uma decisão desse calibre. Mesmo que não se trate de uma tecnologia tão fundamental assim (afinal, nesse meio tempo o país se tornou o maior exportador de soja sem oficializar por completo as variedades transgênicas), muita energia foi desperdiçada num arremedo de discussão pública. Para não falar do envenenamento das relações entre setores importantes da sociedade, como certos institutos de pesquisa e algumas ONGs, e da terra arrasada que restou entre eles.
Desde a aprovação da nova Lei de Biossegurança, em março, quase tudo esteve paralisado no setor, pois não havia regras para licenciamento de acordo com a nova legislação. Nenhum experimento envolvendo organismo transgênico podia ser aprovado, como os que envolvem produção de camundongos com genes modificados -- uma das ferramentas mais usadas hoje, em pesquisa biomédica, para desvendar o papel de certos genes na manifestação de doenças. Sete meses de paralisia num laboratório, no ambiente já notoriamente burocratizado da pesquisa brasileira, pode pôr a perder anos de trabalho.
Entende-se, assim, a ansiedade com que a regulamentação é aguardada por pesquisadores. Se a CTNBio e os biotecnólogos cantarem vitória, porém, desconfie.
Tudo indica que terão de ceder uma fatia do controle que mantinham sobre a comissão de biossegurança vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), aquela que sempre foi técnica antes de ser nacional, desde o batismo. Sociedades científicas menos automaticamente alinhadas com a biotecnologia, como a SBPC, deverão ter papel de destaque na indicação de nomes para compor as listas tríplices que serão submetidas ao Executivo para preencher os 12 postos de representantes na nova CTNBio (outros 15 são destinados aos ministérios afetados e a outros setores sociais, como consumidores).
Novas batalhas à vista, portanto.
A da regulamentação, que deveria decidir a guerra, está emperrada na questão do quórum necessário para a CTNBio deliberar sobre liberação comercial de cultivares transgênicos. Uns defendem que seja qualificado, de dois terços dos membros. Outros preferem maioria absoluta. A Casa Civil trabalha por um meio termo, mas não foi capaz de resolver a pendenga antes da visita de George W. Bush. Novo adiamento, para a semana passada, mas até a noite de quinta-feira nada estava definido sobre o decreto de regulamentação.
Se fosse travada à luz do dia, talvez essa guerra já estivesse terminada.
Folha de São Paulo, Brasil, 13-11-05