Brasil: a arte nas margens do Rio Madeira

Idioma Portugués
País Brasil

Ribeirinhos fazem da música e do teatro meios de protesto contra a construção de um complexo hidrelétrico

A música, a arte e a cultura reuniram, no dia 11, em Porto Velho (RO), a população que vive às margens do rio MadeiraMomento de festival cultural, em que mostrou a importância que o curso de água tem para as populações ribeirinhas.

Está ameaçado em seu equilíbrio, afirmaram os participantes do evento, em virtude da modernização desregrada da Amazônia Ocidental, processo este que tem agora como carro-chefe o Complexo Hidroviário e Hidrelétrico do Rio Madeira.

A "modernização" acelerada que acompanhará os megaprojetos na região, poderá impor a deterioração irreversível das tradições culturais locais, revelam os ribeirinhos. Daí, dizem, a necessidade de um processo continuado de valorização da cultura e do modo de vida da população que vive às margens do rio, além de suas auto-estima e cultura.

O festival também foi um espaço de interação cultural, artística e organizativa entre as populações urbanas e as populações rurais tradicionais. Para tal, fizeram teatro de bonecos, demonstrações artísticas, vídeos, shows e mostras. A produção ribeirinha teve destaque durante a exposição dos produtos agrícolas, extrativistas e artesanais, dando uma singela amostra da imensa biodiversidade da região, bem como da fertilidade natural das margens do Madeira. Grupos urbanos apresentaram um amplo repertório musical inspirado no nexo cidade-natureza-culturas tradicionais, com apresentações intercaladas por vídeo-documentários sobre os impactos dos megaprojetos hídricos.

Proteger a floresta

Na Amazônia, os índios foram os primeiros a utilizar as sementes dos frutos das árvores para embelezar seus adornos. Depois, os ribeirinhos em contato com as tribos aprenderam essa arte e trouxeram-na para a cidade e passaram a criar artesanatos e comercializá-los nas feiras das cidades. A facilidade com que índios e artesãos lapidam o bruto é um dom, pois combinam texturas e cores de forma instintiva e harmoniosa, transformando a matéria-prima em peças únicas que identificam suas sensações e sentimento.

Há nove anos a semente e os frutos da Amazônia são o meio de subsistência de Cristiane Oliveira, nascida e criada na Amazônia, rastafári de raiz e vocalista da banda Leão do Norte, a jovem artista criou a marca Bioarte - fruto em jóia da Amazônia. A Bioarte elabora jóias, utilizando sementes lapidadas e polidas por meio de técnicas próprias.

As sementes são coletadas pelos ribeirinhos nas matas que beiram o rio e são vendidas para os artistas locais.

Segundo Cristiane, com a construção da hidrelétrica no rio Madeira, as sementes irão acabar, pois a mata será inundada. "Não vou ter como comprar semente, não vou poder viver mais de semente, pois já existe uma escassez no mercado e com a construção das usinas esse extrativismo praticamente acabará. O meio de vida das populações locais, que é o artesanato, acabará. Tudo isso acabará com a realidade da gente", desabafa a artista.

A apresentação de teatro de bonecos, com a peça: "O Encantamento dos Bonecos", contou a história da chegada de grandes empreendedores para explorar o Madeira e construir uma usina hidrelétrica, além de relatar a reação da população que vive às margens do rio expulsando os invasores. A apresentação reuniu crianças e adultos que aprenderam por meio da peça a valorizar ainda mais o rio. Demonstrações de artistas locais surgiam durante o festival, como por exemplo, os doutores alegria, que apresentaram suas palhaçadas para a criançada presente. De repente, surgia a bailarina, moradora de Porto Velho, que confecciona com as sementes da Amazônia sua própria fantasia.

Outra manifestação que ocorreu durante o Festival foi a "Farinhada ao vivo", em que mulheres e homens ribeirinhos montaram um forno para fazer a farinha e mostraram para o público presente como se produz a farinha - meio de subsistência dos ribeirinhos que extraem da mandioca plantada nas margens do rio a farinha que vendem nas feiras de Porto Velho.

Brasil de Fato, Brasil, 17-11-06

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