Brasil: Transgênicos, Jean Marc Von Der Weid e Mariana Paoli  


Prensa



Folha de São Paulo, Brasil, 7-12-02

Transgênicos, a falsa salvação



Por Andrea Salazar, Jean Marc Von Der Weid e Mariana Paoli*

A ofensiva do lobby da Monsanto sobre o governo eleito (como noticiado pela Folha em 25/11/2002) já era esperada, embora não tão rapidamente. Mas os argumentos pró-transgênicos utilizados agora não são novos e já foram cabalmente rebatidos pelas ONGs da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Se insistimos nesses argumentos, é para esclarecer à sociedade mais uma vez que os transgênicos não são solução para resolver o problema da fome -nem no Brasil, nem no mundo.

Harvey Glick, diretor da Monsanto, erra ao afirmar que os transgênicos podem ajudar o Brasil e erradicar a fome, acenando com o desenvolvimento de safras transgênicas resistentes às secas no Nordeste. Glick deveria saber que não há, nem tão cedo será desenvolvida, tecnologia de transferência de genes que permita isso, independentemente dos riscos que a mesma possa conter.

Por trás dessa e de outras promessas transgênicas mágicas está em jogo a pressão pela liberação de soja geneticamente modificada resistente a herbicidas, que representaria um mercado de bilhões de dólares. Aliás, é bom lembrar que a soja transgênica e o seu herbicida são propriedade exclusiva da Monsanto e que a soja transgênica está proibida no Brasil por ordem judicial. A pretendida liberação, portanto, poderia até suavizar a fome de lucros dessa multinacional, mas não teria nenhum impacto sobre o número de famintos em nosso país. Afinal, é mais do que evidente que a fome é conseqüência da má distribuição de recursos e não da de produção.

Com a pregação em favor de uma tecnologia que em nenhum lugar do mundo se comprovou segura para o consumo humano e para o ambiente, a Monsanto insiste em ignorar o Princípio da Precaução, estabelecido pelo Protocolo de Biossegurança e referendado pela Convenção sobre Diversidade Biológica, já ratificada pelo Brasil. Segundo o princípio, o ônus da prova sobre a inocuidade dos transgênicos é de quem os produz e não de quem os combate. Cabe, portanto, à Monsanto provar que eles não fazem mal.

A legislação brasileira também tem esse entendimento e por isso exige estudos de impacto ambiental para liberar os transgênicos. Foi com essa interpretação que a Justiça impediu a liberação da soja da Monsanto há quatro anos. Mas, em vez de provar a eventual segurança dos transgênicos, a Monsanto e o governo federal, em conjunto, tentaram ao mesmo tempo derrubar esta decisão e alterar a própria legislação, pressionando o Congresso a aprovar uma lei mais permissiva. Será que quatro anos não teriam sido suficientes para provar a suposta inexistência de impactos negativos à saúde, ao ambiente e à agricultura? O que a Monsanto teme?

Os representantes do governo americano falam em vantagens dos transgênicos, mas será que poderiam explicar por que precisam conceder cerca de US$ 10 bilhões por ano só para compensar as perdas dos produtores de transgênicos nos EUA? Por que os EUA estão chantageando países em crise alimentar, com milhões de famintos, como a Zâmbia, para que aceitem seus estoques de transgênicos que não encontram mais mercado na Europa, no Japão e na China?

Os americanos dizem que o Brasil já estaria contaminado por sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina para o Rio Grande do Sul e que, portanto, só nos restaria aceitar o fato consumado e liberar os transgênicos. Realmente, a omissão criminosa do governo FHC facilitou a contaminação parcial da soja gaúcha, e a Monsanto contribuiu com sua maciça propaganda enganosa dirigida a agricultores. A empresa decidiu ainda não cobrar o custo integral da semente na Argentina muito provavelmente para baratear e facilitar a adoção dessa caixa-preta tecnológica.

Mas os agricultores gaúchos que fizeram essa escolha são vítimas e estão isolados nessa opção. No Paraná, por exemplo, grandes e pequenos produtores participam do esforço de esclarecimento sobre os riscos desse produto. Santa Catarina e Mato Grosso do Sul têm leis estaduais antitransgênicos para reforçar a legislação nacional.

A Monsanto sabe que a resistência européia aos transgênicos será dura de dobrar, pois corresponde a profundas convicções dos consumidores (que também são eleitores), e que até nos EUA a resistência aumentou tanto que a obrigou a adiar por quatro anos o lançamento do trigo alterado geneticamente, tal a celeuma provocada entre produtores, indústrias e consumidores. A empresa também sabe muito bem que a separação de transgênicos e não-transgênicos é inviável economicamente.

O negócio dos transgênicos na agricultura é quase um engodo econômico, e muitas empresas já se livraram de suas divisões de pesquisa para esse fim. Só o imenso poder de algumas megaempresas apoiadas pelo dinheiro e pressões do governo americano permitem que esse negócio ainda sobreviva.

O que a sociedade brasileira espera de Lula é uma atitude responsável. Não tratamos o problema dos transgênicos como uma questão de "dogma ou ideologia" como, estranhamente, tem sido colocado.

A questão é de interesse nacional e internacional, e o PT a abordou corretamente em seu programa de governo: no Fome Zero, na Agricultura e no Ambiente, comprometendo-se a defender o ambiente, a saúde da população e a economia brasileira. O governo americano e a Monsanto parecem não estar levando a sério os programas eleitorais.



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