Brasil: Paraná ganha com restrição à exportação da soja transgênica

Idioma Portugués
País Brasil

A revista CartaCapital desta semana mostra que a restrição do Governo do Paraná com a soja transgênica trouxe vantagens ao Estado. Segundo a publicação, “o Porto de Paranaguá saiu no lucro ao restringir a exportação de soja”. Em três páginas, o repórter João Erthal conta que “os transportadores da soja brasileira exportada parecem sabotar a própria carga”

Erthal revelou que sacas de soja transgênica são lançadas sobre os caminhões carregados com o grão convencional, o que levará todo o carregamento a ser classificado como geneticamente modificado e, conseqüentemente, ao pagamento de royalties à Monsanto pelo uso da tecnologia.

“A prática demonstra a falta de opção de um segmento da agricultura brasileira que gostaria de não se submeter aos interesses da Monsanto, detentora da patente da soja transgênica e que lucra a cada tonelada vendida, não importando se as sementes são genuínas ou simplesmente parte de uma cultura convencional com alguma “contaminação”, como é chamado o cruzamento de plantas tradicionais com as geneticamente modificadas”, diz trecho da reportagem.

Ainda segundo Erthal, “o volume de carga e dinheiro que circula por Paranaguá sempre atraiu interesses escusos. As filas quilométricas de caminhões pelo acostamento da BR-277, que dá acesso ao porto, talvez sejam o exemplo mais espantoso do raio de ação das quadrilhas. As filas intermináveis, sempre usadas nos telejornais como exemplo de ineficiência dos portos brasileiros, não existem mais - apesar do aumento no movimento de caminhões e navios”.

Abaixo, a íntegra da reportagem publicada na edição dessa semana:

Resistência no Paraná

TRANSGÊNICOS

O Porto de Paranaguá saiu no lucro ao restringir a exportação de soja

Momentos antes de chegar ao cais do Porto de Paranaguá, no Paraná, maior terminal graneleiro da América Latina, os transportadores da soja brasileira exportada parecem sabotar a própria carga. Sobre os caminhões repletos lançam uma sacai de grãos geneticamente modificados, o que invariavelmente levará o carregamento a ser classificado como transgênico e obrigará o produtor a pagar royalties pelo uso da tecnologia.

A mistura proposital dos grãos tem sido, para uma parcela crescente de agricultores, um atalho perverso para o escoamento da produção. O produtor que se declara usuário de semente transgênica paga 2% de royalties, enquanto os apanhados de surpresa pelo teste na entrada do porto são taxados em 3%, mais as despesas da análise. Como mesmo quem tenta se manter no cultivo tradicional não consegue ter garantias de que as sementes usadas estão livres de contaminação, boa parte opta pelo caminho menos burocrático, o de maquiar a soja para escapar da cobrança mais agressiva do royalty.

A prática demonstra a falta de opção de um segmento da agricultura brasileira que gostaria de não se submeter aos interesses da Monsanto, detentora da patente da soja transgênica e que lucra a cada tonelada vendida, não importando se as sementes são genuínas ou simplesmente parte de uma cultura convencional com alguma "contaminação", como é chamado o cruzamento de plantas tradicionais com as geneticamente modificadas.

Para ser considerada transgênica, e conseqüentemente sujeita à cobrança de royalties, basta que a soja tenha a partir de 1% de genes modificados - o que pode ser obtido facilmente com a polinização natural em lavouras próximas ou com a mistura de grãos no transporte ou na armazenagem.

No Paraná, a fiscalização resultou na apreensão de 283 toneladas de sementes de 11 empresas que forneciam a agricultores da região. Em alguns lotes, o índice de transgenia chegava a 9%.

Ameaçados com a perda na lucratividade e sem amparo de um sistema de fiscalização que dê credibilidade aos insumos que adotam, os agricultores brasileiros - que desde 1995 vinham experimentando clandestinamente a soja transgênica e perderam grande parte do controle que tinham sobre as sementes - colocam o Brasil na contramão das práticas adotadas internacionalmente para o controle de alimentos geneticamente modificados. E, cavando a própria sepultura, reduzem progressivamente as possibilidades de liberdade de escolha entre produtores e consumidores de grãos.

A rigor, a Lei de Biossegurança brasileira previa fiscalização e garantias de fornecimento de sementes não-transgênicas aos produtores, para que a liberdade de escolha fosse mantida. Mas esses mecanismos nunca saíram das laudas da Lei 11.105, de 2005. E, como cabe ao governo federal a fiscalização, nos estados produtores os transgênicos avançam sem obstáculos. A exceção na pasmaceira nacional tem sido o Paraná, onde a classificação da soja produto da postura do governador peemedebista Roberto Requião - faz com que o Porto de Paranaguá seja escolhido como ponto exclusivo de importação, por exemplo, da Austrália, além de ser o preferido por uma série de grandes compradores de grãos.

Acusado de gerir agricultura com ideologia e de adotar posturas radicais para tentar impor limites ao cultivo de transgênicos, Requião viu as exportações por Paranaguá despencarem de 15 milhões para 12 milhões de toneladas em 2005, quando as medidas restritivas que adotou coincidiram com a desvalorização do dólar e a gripe aviária na Europa e Ásia. Recentemente, no entanto, apesar do isolamento na política agrícola nacional, o polêmico peemedebista - que brinca, ele próprio, com o que chama de “Risco Requião”, por suas posturas em relação à soja e ao rompimento de contratos do governo anterior - tem obtido vitórias significativas. Todas calçadas, principalmente, em decisões de mercado de regiões consumidoras, onde a cobrança por informação e qualidade dos alimentos se dá diretamente na rede varejista, que pressiona fornecedores e produtores pelo cultivo livre de transgênicos.

“Se impedir que se crie um monopólio das transnacionais sobre as sementes é ser ideológico, sim, eu sou. Não vou deixar de comer, eventualmente, um tofu produzido com soja transgênica. Mas não conhecemos ainda os efeitos desse tipo de produto quando ele é consumido em larga escala pela população. Só temos certeza, por enquanto, do efeito devastador que a soja transgênica tem sobre a agricultura e a economia das regiões que a adotam”, afirma o governador.

Quem opta pelos transgênicos reage ferozmente à posição do governo estadual. “A soja foi liberada em todo o Brasil. Nós, paranaenses, vivemos aqui. Por que a restrição?”, pergunta Tarcísio Pontarolo, responsável técnico da Cooperativa Agrícola Mista de Prudentópolis. Já a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul aplaude a iniciativa de Requião. “Entendemos os transgênicos como a forma de uma multinacional dominar todo o mercado de sementes”, afirma Altemir Tortelli, presidente da federação.

O que Requião obteve até agora representa pouco, se considerados os objetivos do Paraná de transformar o Porto de Paranaguá em referência internacional de saída de produtos não-transgênicos. Mas se comparadas as proporções de soja convencional que o estado ainda consegue manter - hoje estima-se que a safra paranaense transgênica chegue a algo entre 30% e 40%, ante 95% no Rio Grande do Sul -, a resistência reserva, ao menos, algum espaço aos produtos que se mantêm na agricultura tradicional.

O trabalho da Empresa Paranaense de Classificação de Produtos (Claspar), responsável pelo controle de qualidade de todas as cargas, tem garantido, além da segregação de grãos convencionais e transgênicos, a boa qualidade dos grãos exportados, o que chama a atenção no mercado internacional. Fiscais rejeitam, na entrada do porto, cargas com baixa qualidade ou impurezas, como areia, umidade ou excessos de cascas misturadas de forma criminosa.

Como lembra o superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), Eduardo Requião, irmão do governador, de 2,2 mil queixas por qualidade da carga, registradas em 2003, Paranaguá evoluiu para zero, no ano passado. "Não havia controle de qualidade. E isso alimentava algumas máfias, como empresas especializadas em vender casca de soja para ser misturada nos caminhões e aumentar o volume da carga", relata.

O volume de carga e dinheiro que circula por Paranaguá sempre atraiu interesses escusos. As filas quilométricas de caminhões pelo acostamento da BR-277, que dá acesso ao porto, talvez sejam o exemplo mais espantoso do raio de ação das quadrilhas. As filas intermináveis, sempre usadas nos telejornais como exemplo de ineficiência dos portos brasileiros, não existem mais - apesar do aumento no movimento de caminhões e navios. O problema vinha, como explica o superintendente, do "aluguel de soja".

O esquema era possibilitado pelo direito de espaço no silo público concedido a algumas empresas. Apesar de ter como finalidade a vazão dos grãos, o silo, ocupado pela carga dessas empresas, funcionava, na verdade, como depósito temporário. "Com o silo ocupado, outros exportadores precisavam descarregar caminhões, quando chegava o navio que esperavam, mas não podiam. Fazia-se, então, o aluguel. Ou seja, o ocupante do silo concordava em `ceder' aquela soja para o embarque, recebia o dinheiro e, em seguida, comprava a soja do agricultor que devia ter embarcado a carga", resume Eduardo Requião. "O bom funcionamento do porto tirou o lucro de muita gente, que hoje parece querer a volta das filas", afirma.

Em 2003, quando começou a reestruturação do porto, Paranaguá rumava, como os demais terminais portuários brasileiros, para a entrega à administração privada, possibilitada pela Lei 8.630, que abriu espaço para a privatização da operação portuária. Sem investimentos há 16 anos, o porto era um manancial para fraudes e corrupção. Só em ações trabalhistas, havia uma dívida de 170 milhões de reais. Apesar do grande volume de carga, não existiam balanças para caminhões em operação no porto.

“Os operadores pesavam em suas balanças e declaravam o peso da carga para, sobre ele, pagar as tarifas portuárias”, lembra o superintendente do porto, que lista, de cabeça, uma série de irregularidades administrativas. Entre elas, falsos terminais bancários para autenticar guias de pagamentos que deviam ser recolhidos pelo Estado, corrupção nas áreas financeira e de fiscalização e até a perda proposital de prazos pelos advogados da companhia.

A reestruturação de Paranaguá trouxe volume e variedade de produtos e gerou, em 2006, o quarto recorde consecutivo de receita cambial, 9,4 bilhões de dólares, somados também os resultados de Paranaguá e Antonina, usado principalmente para exportar minério, fertilizantes e congelados.

A última vitória do governo paranaense, e que deve ter reflexos diretos nas exportações de soja, diz respeito à Ferroeste, a ferrovia construída no primeiro governo Requião, entre 1991 e 1994, para escoar a produção de grãos do oeste do estado. Privatizada em 1996, a empresa foi retomada pelo governo estadual em junho deste ano, depois que Requião conseguiu, na justiça, a decretação da falência da Ferropar, consórcio que administrava a ferrovia e que, nesse período, não cumpriu os investimentos programados no contrato de concessão.

A conquista do governador, comemorada pelos defensores da agricultura tradicional, deve servir para criar melhores condições de transporte para a soja não-transgênica, que perde valor e pureza quando misturada aos grãos geneticamente alterados.

“O que está em jogo no mundo neste momento, e que aqui no Paraná enfrentamos sem medo, é o monopólio. A semente transgênica estabelece um royalty e não traz benefício concreto algum, a não ser o de evitar a capina. Mas com o tempo o agricultor passa a aplicar mais e mais herbicida, e isso encarece a produção. Querem vender esse pacote e manter toda a agricultura do mundo pagando royalties a três ou quatro companhias”, acusa Requião, que reclama de um boicote da mídia sobre o tema.

“Esse jogo é conhecido, mas a maior parte da imprensa prefere não falar dele, ou do que conseguimos de positivo no Paraná com a defesa das culturas não-transgênicas. Outro dia, a Rede Globo disse que tínhamos perdido 260 milhões de toneladas de exportação em Paranaguá por causa da restrição aos transgênicos. Demos gargalhadas, pois o mundo inteiro não produz isso de soja em um ano”, diverte-se o governador.

JOÃO MARCELLO ERTHAL

Agência Estadual de Notícias, Brasil, 16-07-07

Comentarios