Brasil: PGR reitera inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança
"O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer na ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3526) que questiona 24 dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105)"
Para vice-procuradora, lei viola o princípio da precaução e da democracia, entre outros.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer na ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3526) que questiona 24 dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105). Essa lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM). O parecer foi feito pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Ela reiterou os fundamentos da ação, que foi proposta em 2005 pelo então procurador-geral da República, Claudio Fonteles.
A ADI questiona a competência de a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) deliberar se os organismos geneticamente modificados são causadores de impacto ambiental e decidir, em última e definitiva instância, sobre necessidade de licença ambiental.
Segundo a ação, a Lei de Biossegurança viola os princípios da precaução, da democracia e da independência e harmonia entre os poderes e desrespeita a coisa julgada. A ADI foi ajuizada após representação do Partido Verde (PV) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), e recomendação da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que trata dos assuntos relacionados ao meio ambiente.
Deborah Duprat explica que os dispositivos da lei que estão sendo questionados afrontam a competência comum da União, dos estados, e dos municípios em proteger o meio ambiente e combater a poluição, como prevê o artigo 23, VI, da Constituição Federal, pois submetem essa competência à decisão exclusiva da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Inconstitucional - De acordo com a vice-procuradora-geral, se a todos os entes da federação é exigida a proteção do meio ambiente, seria inconstitucional o impedimento criado na lei de biossegurança para que os estados e os municípios “deliberem sobre a necessidade de licenciamento ambiental de produtos ou sementes oriundos de organismos geneticamente modificados”.
Deborah Duprat destaca o fato de o licenciamento de um organismo geneticamente modificado ser condicionado a juízo prévio da CTNBio, o que subverte a Política Nacional do Meio Ambiente e tira a competência normativa do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). “Não mais será a natureza da atividade desenvolvida pelo empreendedor que definirá a realização do processo de licenciamento, mas sim a opinião de uma comissão técnica, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia”, afirma.
Duprat menciona o princípio da precaução, pelo qual os estados devem tomar medidas urgentes e eficazes para antecipar, prevenir e combater, na origem, as causas da degradação ambiental. O princípio da precaução foi elevado à categoria de regra do direito internacional ao ser incluído na Declaração do Rio, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-RIO/92. “A importância desse princípio em face da introdução ou da liberação de OGM no meio ambiente teria sido expressamente reconhecida e reafirmada no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, já incorporado ao direito brasileiro”, diz.
A vice-procuradora-geral explica que a exigência constitucional de realização de estudo prévio de impacto ambiental como condição para instalação de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente, prevista no artigo 225, caput, da Constituição Federal, estaria intimamente ligada ao princípio da precaução. Assim, “a leitura do artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição expõe a flagrante inconstitucionalidade dos dispositivos acima transcritos, que atribuem à CTNBio o poder de deliberar se o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. O que definiria a obrigatoriedade do EIA [estudo de impacto ambiental] não seria o arbítrio do poder público, mas a natureza da atividade desenvolvida. Se ela é potencialmente causadora de significativo impacto ambiental, a sua realização é obrigatória, não podendo, de nenhuma maneira, ser afastada a competência do órgão ambiental, de exigir do empreendedor ou potencial poluidor o EIA, como instrumento de controle preventivo de danos ambientais em larga escala”.
Princípio democrático - Em relação à ofensa ao princípio democrático, Deborah Duprat afirma que o procedimento de licenciamento ambiental de atividades potencialmente degradadoras é marcadamente participativo, com a realização de audiências públicas. “A participação popular seria decorrente da própria previsão do artigo 225, caput, da Constituição Federal, que atribui também à coletividade o dever de defesa do meio ambiente”.
Acerca da violação à coisa julgada e desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os poderes, em relação aos artigos 30, 34, 35 e 36 da Lei nº 11.105/05, a vice-procuradora salienta que a lei não considerou duas decisões judiciais em plena vigência, tomadas em ações propostas pelas associações civis Idec e Greenpeace contra a União Federal, para que não houvesse liberação para plantio comercial da soja geneticamente modificada Roundup Ready, resistente ao herbicida Roundup (Glifosato), sem o estudo prévio de impacto ambiental.
Deborah Duprat conclui: “O fato é que todos os dispositivos impugnados estão relacionados entre si e em três principais eixos de inconstitucionalidades: violação ao princípio da competência comum da União, estados e municípios para tratar da proteção do meio ambiente; dispensa de EIA nas atividades relacionadas à biossegurança (art. 225, §1º, inciso IV); e violação à coisa julgada material (art, 5º, inciso XXXVI)”.
Ela asseverou que a alegação da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), organização civil que representa os cientistas brasileiros envolvidos com as técnicas da engenharia genética, de que o estudo prévio de impacto ambiental somente se faz necessário quando a atividade recair sobre área incólume ou virgem, “além de desprovida de qualquer fundamento, resulta certamente do desconhecimento de que a realização do EIA não se dá em função apenas da preservação ambiental, mas também de controle de atividades que possam causar significativo impacto ambiental, ainda que realizados em ambientes transformados”.
O parecer será analisado pelo ministro Celso de Mello, relator da ação no STF.
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