Brasil: Os vaivéns nos transgênicos


Prensa



O Estado de São Paulo, Brasil, 12-7-02
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/02/07/12/aberto001.html

Os vaivéns nos transgênicos

Por Washington Novaes

Embora pareça estar-se definindo no Brasil, passo a passo, uma caminhada em direção a uma postura de precaução (recomendada por convenções internacionais) na área dos alimentos geneticamente modificados - que exigirá estudo prévio de impacto ambiental e licenciamento para plantio e comercialização, além de rotulagem -, o panorama ainda não está suficientemente claro. Nem removidas todas as questões.

A Resolução 305 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), aprovada em junho, adota com clareza o princípio da precaução e estabelece que tanto a pesquisa de campo como "a liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados ou derivados" dependerão de licenciamento ambiental do Ibama, que leve em consideração "especificidades biogeográficas" - o que, em princípio, não o autorizaria a basear-se apenas em estudos feitos em outro país, como foi o caso da soja autorizada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Além disso, o Ibama deverá consultar os órgãos estaduais da área. E poderá até suspender licenças que venham a ser concedidas, se surgirem novas informações que a isso aconselhem.

Mas a resolução também estabelece que "a avaliação de risco é responsabilidade da CTNBio e será considerada pelo órgão ambiental competente como parte do processo de análise do risco ambiental".

Pergunta-se: sendo "parte do processo de análise do risco ambiental", essa avaliação do risco poderá ser contrariada pelo órgão licenciador, em direção oposta a parecer da CTNBio? Como distinguir entre risco na área de biossegurança e risco ambiental ou de saúde?

Talvez a ambigüidade seja fruto da difícil negociação no Conama. É possível, por isso, que a controvérsia não se extinga com a resolução. Até mesmo porque cabe perguntar o que acontecerá às legislações estaduais e municipais, já aprovadas, que estabelecem moratórias ou proibições para transgênicos. E a sentença que terá de ser proferida pela Justiça, em que a relatora já votou pela legalidade da liberação do plantio de soja transgênica pela CTNBio, sem necessidade de estudo de impacto ambiental feito aqui? Poderá contrariar a resolução do Conama? E o projeto em discussão no Congresso? O governo federal se empenhará para que não afete essa decisão?

Ainda na área da resolução do Conama, fica uma pergunta: como os órgãos estaduais a serem consultados pelo Ibama se equiparão para ter condições de responder adequadamente às consultas - já que os pedidos envolverão quase todo o País?

Neste momento mesmo, a Secretaria de Agricultura do Paraná acaba de decidir que toda semente de soja procedente de outro Estado, para ser comercializada em território paranaense, precisará de laudo de análise de transgeníase, emitido por laboratório oficial ou privado reconhecido. O Paraná teme perder mercados na Europa e no Oriente se houver mistura da soja convencional com a modificada, produto de sementes contrabandeadas.

Há federações de agricultores em posições diferentes. A do Rio Grande do Sul quer liberar o plantio de transgênicos; a de Goiás quer um debate público, mas seu presidente já tomou posição contra os transgênicos; os produtores de algodão estão pedindo ao governo federal a liberação para plantio das variedades transgênicas. E há casos como o de Minas Gerais, onde o governo estadual, depois de tomar posição a favor de moratória para os transgênicos, vetou lei nesse sentido, sob a alegação de que oneraria as empresas de biotecnologia, farmacêuticas e agroindustriais a obrigatoriedade de promover estudos prévios de impacto ambiental.

Complicando ainda mais o quadro, a Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) da ONU decidiu, em resposta a consulta, que operações de embarque de soja iniciadas na Argentina e complementadas no Brasil (esse tipo de operação responde por 50% dos embarques no Porto de Rio Grande e 20% no de Paranaguá) não serão prejudicadas se houver registro de ervas daninhas na origem. Mas a soja terá de ser internalizada e reexportada. E isso poderá significar problemas para o Brasil na Europa e no Oriente. Por isso, o Ministério da Agricultura não gostou da resposta. Que fará?

O Parlamento da União Européia (onde 94% dos consumidores não querem transgênicos) decidiu há poucos dias baixar de 1% para 0,5% o limite abaixo do qual produtos que contenham transgênicos ficarão isentos de rotulagem obrigatória e declaração de conteúdo. A obrigação vale também para derivados como o açúcar e alguns tipos de óleo, assim como para rações que alimentam animais. Diante dessa exigência, o embarque conjunto no Brasil poderá significar problemas no destino, já que 90% da soja argentina é modificada geneticamente. Também a China está exigindo testes de campo para os grãos que comprar e proibiu, por motivos "fitossanitários", a importação de sementes de soja.

Não bastassem as complicações legislativas, mortadela produzida por um frigorífico nacional e testada pelo Greenpeace em dois laboratórios de outros países acusou a presença de 12% de soja transgênica. Teste com o mesmo produto, do mesmo lote, num laboratório de Belo Horizonte não acusara a presença de nenhuma porcentagem de transgênicos. E ele não estava rotulado, embora a legislação nacional o exija, se contiver mais de 4% de transgênicos.

Diz aos jornais o professor Toshio Mukai, da USP, que nenhuma empresa no País adotou a rotulagem, embora a obrigatoriedade legal esteja em vigor há seis meses. "O Brasil não sabe como pôr em prática essa obrigatoriedade, nem como fiscalizar", observa ele.

Muito chão, portanto, ainda terá de ser percorrido nessa matéria. No trajeto, poderá haver prejuízos irreparáveis.

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