Brasil: Monsanto na fogueira, por Joaquim Castanheira

A empresa apostou todas as fichas nos transgênicos e só perdeu dinheiro. Sua esperança é o Brasil. Ainda dá tempo?

A Monsanto vive situação semelhante a de um nadador mal preparado para determinada competição: falta-lhe oxigênio para chegar ao fim da prova e não tem fôlego suficiente para retornar ao ponto de partida.

Nos últimos anos, a empresa abandonou áreas de atuação tradicionais, como química e farmacêutica e concentrou suas energias no desenvolvimento de produtos transgênicos, um dos mais promissores negócios da atualidade. Foi uma jogada de primeira, mas com cálculos de segunda. A empresa esperava que o uso de sementes geneticamente modificadas se espalhasse pelo mundo com a intensidade de um furacão. Não foi o que aconteceu. Os transgênicos enfrentam sérias resistências em países da Europa, Ásia e América Latina. Nos Estados Unidos, onde são amplamente aceitos e utilizados, a Monsanto tem perdido mercado para a concorrência. No Brasil, região estratégica para qualquer fabricante de insumos para agricultura, a questão está parada na Justiça e em debates internos no governo, que não decidiu se libera ou não o cultivo de transgênicos. Mas é aqui que a empresa joga sua esperança. Em poucos países, ela está tão bem preparada para abastecer o mercado ? tem marca, capacidade de produção e conhecimento do cliente. Só falta a liberação. A questão é saber se ela virá a tempo.

O dilema da companhia está estampado no balanço. Em 2002, o faturamento caiu 11% em relação ao ano anterior, para US$ 4,8 bilhões. O prejuízo bateu em US$ 1,7 bilhão. Os papéis da companhia refletiram as perdas ? uma ação vale hoje cerca de US$ 19, contra US$ 28 há um ano. Os números pálidos da empresa podem ser explicados por uma equação desequilibrada. Apenas 30% do faturamento vem dos produtos transgênicos, mas eles absorvem a maior parte dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Nos últimos cinco anos, esse item consumiu US$ 4 bilhões. ?É como um pescador gastar mais dinheiro com isca do que ganhar com os peixes que retira da água?, compara um executivo do setor.

O Brasil poderia dar o ponto de equilíbrio ao jogo. Dono de um terço da área cultivável do mundo, o país ainda não permite o cultivo de transgênicos em seu território ? o que não quer dizer que esses produtos, principalmente a soja, não estejam tomando conta das lavouras locais. Calcula-se que de 70% a 90% da soja plantada no Rio Grande do Sul seja transgênica, resultado da entrada ilegal de sementes pela fronteira da Argentina. Há um embate dentro do governo brasileiro. A favor, há um grupo cujo mais barulhento representante é o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Para ele, as vantagens econômicas justificam a liberação do plantio dos transgênicos. Do outro lado, está a ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Segundo ela, produtos geneticamente modificados podem prejudicar a saúde e o meio ambiente. Só testes de entidades científicas idôneas seriam capazes de derrubar as suspeitas que envolvem esses produtos.

Em conversas informais, executivos da Monsanto dizem que a liberação é questão de tempo, e é provável que estejam certos. Pouco a pouco, a desconfiança diante dos transgênicos se desmanchará, aqui e no mundo. Eles lembram que em 2002 a área plantada de soja transgênica superou a de convencional no mundo. Talvez a expansão dos transgênicos chegue tarde demais. Para os concorrentes, a Monsanto foi ?com muita sede ao pote?. De acordo com o plano da empresa, os transgênicos rapidamente conquistariam o mercado mundial, e o pioneirismo seria recompensado. Na ânsia de liderar um mercado promissor, a Monsanto foi agressiva. Só no Brasil, entre 2000 e 2003, investiu US$ 800 milhões na ampliação e modernização do parque industrial. Mas, com a indefinição em relação aos transgênicos, o retorno custa a aparecer.

Pagou caro por isso. No mundo inteiro, quem quer protestar contra transgênicos ataca a Monsanto, assim como as manifestações anti-americanas acabam destruindo lojas do McDonald?s. No dia 9 de maio, um protesto contra transgênicos em Brasília mostrava um trator com uma faixa da Monsanto, a empresa que quer ?passar por cima do Brasil.? Dias depois, os participantes da Jornada de Agroecologia decidiram protestar. Para isso, resolveram queimar uma unidade experimental de soja da multinacional, localizada em Ponta Grossa, Paraná. Em conversas reservadas, o americano Richard Greubel, presidente da filial brasileira, admite que a empresa deu ênfase aos aspectos tecnológicos e deixou de lado o convencimento dos consumidores. ?Faltaram transparência e informação?, costuma dizer. Procurado pela DINHEIRO, Greubel preferiu não se manifestar.

IstoÉ Dinheiro, Brasil, 21-5-03

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