Brasil: Milho transgênico traz receios
A entrada ilegal de sementes da gramínea no Brasil pode ter efeitos trágicos para a agricultura, segundo autoridades ambientais
A denúncia da entrada ilegal de milho transgênico no sul do Brasil, pela fronteira com a Argentina, trouxe apreensão para funcionários e especialistas, que advertem que seus efeitos ambientais podem ser mais graves do que os do contrabando da soja, há nove anos. O frei e deputado estadual Sérgio Gorgen, da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, denunciou ao Ministério Público a empresa Agropecuária Campesato por vender sementes de milho geneticamente modificado, depois de comprovar uma denúncia anônima que recebeu em novembro.
Segundo Gorgen, a variedade transgênica comercializada por essa pequena empresa do interior do Estado viria da Argentina e pertenceria à companhia de biotecnologia Monsanto, que está no centro da polêmica brasileira sobre transgênicos desde 1996, quando sua soja RR se disseminou ilegalmente também no Rio Grande do Sul. A soja transgênica atingiu mais de 80% da área semeada, segundo estimativas dos produtores, e se expandiu para outros Estados. Com o milho é diferente, pois pode afetar o meio ambiente e a agricultura de maneira mais grave do que a soja, disse ao Terramérica Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente. Por ser uma espécie de polinização direta, o gene que foi agregado à variedade modificada pode contaminar o milho convencional, argumentou.
O semanário Brasil de Fato, vinculado ao Movimento dos Sem-Terra, disse que parte do milho contrabandeado continha o gene GA21, usado na variedade RRGA21 da Monsanto, resistente ao glifosato. Entretanto, a multinacional norte-americana disse desconhecer a procedência do milho e rechaçou o comércio e a plantação de sementes ilegais, “sejam convencionais ou transgênicas”. É “uma irresponsabilidade” introduzir o milho dessa maneira no Brasil, quando já vigora a lei que regulamenta a atividade com transgênicos, e sua expansão pode ter conseqüências “trágicas”, por causa do impacto ambiental, que pode ser irreversível, e pelos prejuízos na credibilidade da agricultura brasileira, prejudicando as exportações, afirmou Langone.
O Congresso aprovou, em março, a Lei de Biossegurança, que abriu as portas para a pesquisa, o desenvolvimento e a produção controlada de organismos transgênicos, contrariando os ambientalistas. “O milho é para consumo interno e também um insumo fundamental na produção de carne suína e avícola, importantes na exportação brasileira”, explicou Langone. “Além disso, essa ilegalidade viola direitos do consumidor, que se alimentará com transgênicos sem ser informado”, acrescentou. Os organismos transgênicos são modificados em laboratório, mediante a introdução de genes de outras espécies vegetais ou animais, a fim de melhorar suas características, rendimento ou resistência às pragas, pesticidas ou fatores climáticos.
As pesquisas biotecnológicas que a Monsanto realiza no Brasil estão autorizadas pelo órgão competente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), assegurou a empresa em uma nota pública. Isso inclui as variedades de milho YeldGard e Roundup Ready (RR), resistentes a insetos e ao herbicida glifosato, respectivamente, e ainda não permitidas na produção comercial brasileira. Segundo o deputado Gorgen, agora cabe às autoridades policiais, judiciais e agrícolas identificar o contrabandista, pôr fim ao comércio ilegal e responsabilizar a Monsanto, proprietária da patente. “Quem é dono para ganhar tem de ser dono também para controlar”, disse Gorgen ao Terramérica.
Em sua opinião, este caso não terá o mesmo destino que o do contrabando de soja, nos anos 90, acomodado como um “fato consumado” por legislações temporárias. Os agricultores “já se deram conta do engano que foi a soja transgênica, um fracasso econômico”, porque exige mais produtos agrotóxicos, elevando custos depois dos primeiros anos, acrescentou Gorgen. Além disso, a opinião pública tem “outra percepção”, a federação dos grandes agricultores manifestou que não toleraria uma nova ilegalidade e a indústria de carnes teme perder exportações se porcos e frangos forem alimentados com milho transgênico, ressaltou.
Para Narciso Barison, presidente da Associação de Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), o milho transgênico segue o mesmo caminho da soja, “mas não terá igual futuro”. A semente híbrida do milho, a mais usada, é de difícil reprodução, não se multiplica como a soja, disse Barison. Os agricultores enfrentarão uma “violenta queda de produtividade” ao usarem as sementes ilegais, sem a qualidade assegurada pelos produtores certificados, prevê o produtor, cuja atividade sofreu duras perdas com a ilegalidade da soja transgênica. Enquanto não for comprovada essa perda “de até 50% da produtividade", os “traficantes” continuarão enganando os agricultores, lamentou. Os que burlam a lei ficam impunes porque “quem sofreu perdas por causa da ilegalidade não admite isso”, concluiu.
Por sua vez, Elibio Rech, pesquisador do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vislumbra boas perspectivas para o desenvolvimento de transgênicos no Brasil, pois assegura que a Lei de Biossegurança funcionará melhor a partir de 2006. Rech não espera grande impacto ambiental do milho contrabandeado. Esse cultivo transgênico pode contaminar outros vegetais, mas há “metodologias e barreiras” para evitar que isso ocorra, além de os genes agregados “não propiciarem vantagens competitivas” para provocar danos ambientais, argumentou.
Tierramérica, Internet, 19-12-05