Brasil: Lula estuda veto à Lei de Biossegurança
O provável veto do presidente a um artigo do projeto, segundo tem indicado a Casa Civil a parlamentares e demais ministérios, seria uma concessão política para evitar uma completa derrota de Marina Silva no embate de bastidores com os colegas Roberto Rodrigues e Eduardo Campos
Como nas negociações das medidas provisórias que autorizaram plantio e comercialização da soja transgênica por duas vezes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode oferecer pequenas compensações à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao sancionar o projeto da nova Lei de Biossegurança, que deve sair até quinta-feira. O provável veto do presidente Lula a um artigo do projeto, segundo tem indicado a Casa Civil a parlamentares e demais ministérios, seria uma concessão política para evitar uma completa derrota de Marina Silva no embate de bastidores com os colegas Roberto Rodrigues (Agricultura) e Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia).
Mas a decisão pode tirar poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e criar dois tipos de procedimento para a liberação comercial de transgênicos no país. Uns produtos ficariam submetidos apenas à decisão dos 27 membros da "nova CTNBio", que terá autonomia para decidir sozinha sobre essas liberações.
Outros, como os chamados produtos "bioinseticidas", continuariam a ser submetidos à avaliação dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Esses transgênicos continuariam a precisar do Registro Especial Temporário (RET) exigido por Ibama e Anvisa para produtos com funções específicas de agrotóxicos.
Na prática, a decisão pode significar uma nova "moratória branca" para os transgênicos, cujas discussões remontam a 1997. Nessa categoria, está o algodão resistente a insetos Bollgard da multinacional Monsanto, liberado para plantio e comercialização na última semana, que contém um gene considerado agrotóxico pela Lei nº 7.802, de julho de 1989.
As empresas de biotecnologia e os ministérios favoráveis ao artigo nº 39 argumentam que o veto voltaria a dificultar as liberações comerciais. "Voltaremos ao atraso provocado pela atual lei", diz o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator do projeto da nova lei na Câmara. "Lula não pode fazer isso".
A chance de veto recrudesceu em razão da liberação do algodão da Monsanto pela CTNBio. No governo, avalia-se que, ao liberar um produto sem esperar a sanção de Lula nem prever um controle mais rigoroso, a comissão "atropelou" debates internos e deu a seus opositores um discurso consistente contra um ponto fundamental da nova lei.
Além disso, avalia o governo, a CTNBio liberou o algodão transgênico menos utilizado pelos produtores.
O presidente da comissão, Jorge Guimarães, rebate: "A CTNBio tem gente do mais alto padrão. Não sei se outros órgãos do governo têm a mesma competência".
E ataca o Meio Ambiente. "Órgãos que deviam cuidar das queimadas, têm se metido em assuntos que precisam de muito mais competência científica".
Segundo ele, na CTNBio "ninguém tem envolvimento com empresas", "nenhum deles é empresário ou tem projetos financiados pelas empresas do setor".
O Ministério do Meio Ambiente defende uma decisão do presidente Lula contra o artigo. "O veto será bom, mas não queremos negociar uma coisa para ganhar outra", admite Rubens Nodari, representante do ministério na CTNBio. "Atalhos levam a abismos. É só ver o caso dos agrotóxicos, que foram liberados de qualquer jeito há 50 anos. Agora, tem que ser diferente".
O presidente da CTNBio discorda. "O veto impedirá avanços na área vegetal. Seria um passo atrás. Espero que não seja vetado".
O presidente Lula também pode vetar o artigo 5º, que permite pesquisas e terapias com células-tronco de embriões em condições "inviáveis" de fertilização in vitro. A bancada evangélica e a Igreja Católica também buscam uma compensação ao restringir os estudos às células congeladas há três anos ou mais. A decisão também agradaria ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que tem aumentado o tom oposicionista.
Valor Econômico, Brasil, 22-3-05