Brasil: o crescimento da transgenia chega aos eucaliptos
“As empresas estão caminhando a passos largos para entrar nessa fase de liberação comercial que só temos, atualmente, para a soja, o algodão e o milho”, revela o geneticista Paulo Kageyama ao analisar o desenvolvimento do eucalipto transgênico
“Há uma controvérsia sobre a questão de que os eucaliptos transgênicos são de mais alto consumo que outras espécies. De fato, como são de muito rápido crescimento, plantados em grande escala e em monocultivo, sem Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Reservas Legais (RLs), deve haver grande consumo de água e rebaixamento do lençol freático”, explica o geneticista Paulo Kageyama. Em entrevista, concedida, por e-mail, à IHU On-Line ele fala sobre a estrutura desse tipo de eucalipto geneticamente modificado, suas principais características e formas de influência em relação ao meio ambiente onde vai ser plantado. Mas Kageyama alerta: “O que está em jogo é o custo ambiental, dado o perigo de contaminação de eucaliptos não transgênicos, voltados para a produção de outro fim que não o de celulose e papel, que seriam prejudicados”.
Paulo Kageyama é formado em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo, onde realizou mestrado e doutorado em Agronomia. É pós-doutor pela North Carolina State University. Atua no Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e é professor da USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais as principais vantagens do eucalipto transgênico, que justificam o investimento em sua cultura? As árvores crescem mais rápido, por exemplo?
Paulo Kageyama – O principal e mais utilizado Gene Geneticamente Modificado (OGM) pelas indústrias madeireiras de produção de celulose e papel, e que vem sendo motivo de vários processos da CTNBio, é o transgene que reduz o teor de lignina [1] da madeira. Essas indústrias alegam vantagens econômicas muito grandes no processo de extração da lignina para a produção de celulose, que seria o motivo das mesmas ao propor esse OGM, além de que se utilizaria menor quantidade de produtos químicos para a extração da celulose, que seria um outro objetivo alegado.
Em princípio, o gene em questão não tem efeito sobre o crescimento das plantas, mas sim na qualidade da sua madeira. Certamente que, sendo a estrutura da madeira das árvores basicamente formada de lignina, que dá a dureza, e a celulose, que completaria a sua estrutura, a redução de lignina pode afetar indiretamente o crescimento, pois pode a árvore com sua redução sofrer tombamento, quebra etc.
IHU On-Line – Quando são feitos os cálculos sobre as vantagens econômicas do eucalipto transgênico, é incluído nessa conta o gasto ambiental que seu plantio produz, como o consumo de água e energia?
Paulo Kageyama – Como o transgene em questão confere em princípio somente efeito sobre a qualidade da madeira (menor teor de lignina), o consumo de água e energia, em princípio, não seria diferente entre o eucalipto Geneticamente Modificado (GM) e o não GM. Portanto, os impactos ambientais apontados para os não GMs seriam, em princípio, os mesmos para os transgênicos. O consumo de água e energia, em princípio, não entra nos cálculos econômicos e ambientais, na comparação entre os eucaliptos GMs e não GMs. O que está em jogo é o custo ambiental, dado o perigo de contaminação de eucaliptos não transgênicos voltados para a produção de outro fim que não o de celulose e papel, que seriam prejudicados.
IHU On-Line – Se o monocultivo do eucalipto já é ambientalmente condenável, o que se pode falar do eucalipto transgênico? Quais os principais riscos que ele oferece ao meio ambiente?
Paulo Kageyama – De fato, o eucalipto em monocultivo em grande escala tem impactos sobre o meio ambiente e a biodiversidade. Como o OGM em questão se refere à diminuição do teor de lignina, as críticas ao monocultivo de eucalipto GM devem ser as mesmas do Não GM.
Em menor importância para as indústrias, é o gene para aumento da produtividade, através de aumento da eficácia da fotossíntese. Nesse caso, podemos ter maior crescimento e maior produtividade ainda, tendo efeito nos impactos sobre o ambiente. Porém, a ênfase das indústrias nesse momento é com a redução de lignina na madeira.
IHU On-Line – O eucalipto transgênico consome mais ou menos água do que o eucalipto não transgênico?
Paulo Kageyama – Há uma controvérsia sobre a questão de que os eucaliptos transgênicos são de mais alto consumo que outras espécies. De fato, como são de muito rápido crescimento, plantados em grande escala e em monocultivo, sem Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Reservas Legais (RLs), deve haver grande consumo de água e rebaixamento do lençol freático. O problema, portanto, é muito mais de escala, principalmente. Muitas outras espécies de árvores, inclusive nativas, devem ter o mesmo comportamento se utilizadas da mesma forma que vêm sendo utilizados os eucaliptos. Ao se plantar qualquer cultura em monocultivo em grande escala, as APPs e RLs têm exatamente a função de dar equilíbrio à paisagem rural, tanto na questão de água como de pragas e doenças. Porém, deve-se salientar que os OGMs mais destacados são para redução de lignina, não devendo, em princípio, afetar essa questão do consumo de água.
IHU On-Line – Como são feitos os testes do plantio do eucalipto transgênico? Que cuidados são tomados?
Paulo Kageyama – Na CTNBio, as empresas podem entrar com processos de Liberação Planejada, e na fase de pesquisa, e, numa fase mais avançada, com processos de Liberação Comercial, como o próprio nome diz, para já liberação de plantios em escala comercial.
Com os eucaliptos, estamos ainda na fase de pesquisa, ou de contenção, sendo em áreas pequenas e com controle de isolamento, com regras já estabelecidas. Segundo o Comunicado No 2 da CTNBio para esses processos, deve-se guardar uma distância de 1 000 metros de outro talhão de eucalipto que possa ser utilizado para produção de sementes, visando evitar a contaminação de pólen GM para não GM. Para o caso de sementes, nessa fase de Liberação Planejada, ou de Pesquisa, essa distância mínima é de 100 metros de outro talhão que possa ser contaminado.
Somente após vários processos de liberação planejada, envolvendo testes e pesquisas com contenção, é que as empresas podem solicitar processos de liberação comercial. As empresas estão caminhando a passos largos para entrar nessa fase de liberação comercial, que só temos atualmente para a soja, o algodão e o milho.
IHU On-Line – Quais os riscos da realização de testes de plantio de eucalipto transgênico sem fiscalização ambiental? Que tipo de fiscalização ambiental deveria ser feita para acompanhar esses testes?
Paulo Kageyama – Nós membros da CTNBio analisamos e aprovamos ou não os processos de liberação mandados pelas empresas. Em casos novos ou duvidosos, podemos pedir visitas para checagem de algum ponto de dúvida. Porém, a fiscalização no campo é de responsabilidade do Ministério da Agricultura, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do IBAMA. Essa fiscalização não é feita em 100% dos processos, a não ser que haja pedido especial, o que é uma boa coisa. Como existem as regras aprovadas pela CTNBio, com elas em mãos, pode-se cobrar dos órgãos competentes para se fazer essa fiscalização. Na CTNBio, temos que acreditar que o que está no processo é o que está ocorrendo no campo. Na fase de liberação planejada, onde estamos com os eucaliptos, a fiscalização das distâncias para se evitar a contaminação por pólen e sementes é relativamente fácil, se se conhece bem as espécies. Julgo que as empresas, na fase de liberação planejada, praticamente não têm condições de realizar plantios comerciais de OGMs, pois, para isso, deveria ter as sementes para tal e que passam pelo controle da CTNBio.
IHU On-Line – Como está essa questão no Brasil? O país já produz eucalipto transgênico?
Paulo Kageyama – Como já relatado, temos eucaliptos transgênicos no Brasil, porém, ainda na fase de testes ou de pesquisa, com áreas pequenas (cerca de 1um hectare) onde os cuidados de se evitar a contaminação por polinização ou dispersão de sementes são regulados pelo Comunicado já relatado. Dessa forma, as empresas já detêm conhecimento e material genético para produzir eucaliptos transgênicos, só faltando passar esta fase para proposições de liberação comercial.
A nosso ver, como os eucaliptos são de polinização cruzada, como o milho, com polinização à longa distância por abelhas sociais, principalmente, cuidados com a contaminação vêm sendo uma das preocupações de cautela e precaução. Os genes para redução de lignina beneficiam os produtores de celulose e papel, mas devem prejudicar os produtores de eucaliptos para madeira, carvão, móveis, óleos, mel etc.
Notas:
[1] A lignina ou lenhina é uma macromolécula tridimensional amorfa encontrada nas plantas terrestres, associada à celulose na parede celular cuja função é de conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais.