Biopirataria sem controle
O Governo parece não se dar conta dos avanços da genética e do mundo dos negócios que a envolvem: a produção de novos medicamentos envolve mais de US$320 bilhões por ano e, de todos os remédios novos que surgem, 40% são de fontes animais ou vegetais
O Brasil tem a maior diversidade vegetal do mundo, com 55 mil espécies de plantas, e não dispõe de recursos legais para proteção de seu patrimônio. Um projeto de lei, de autoria da senadora Marina Silva (PT/AC) foi aprovado em 98 no Senado e está parado na Câmara dos Deputados. A lei deve determinar quem pode, e de que forma, explorar a biodiversidade nacional. Determina também que participação nos lucros terá o país e as comunidades indígenas que dominam há anos o uso de plantas e animais na cura de doenças. A demora preocupa. "O acesso hoje é livre, sem regulamentação e sem controle" , diz Marina Silva. A única medida que há nesse sentido é a ratificação da Convenção sobre Diversidade Biológica, aprovada há oito anos, durante a ECO-92. Isso significa que o Brasil tem hoje apenas uma orientação geral sobre o assunto.
ENQUANTO ISSO, o CNPq é ainda o único órgão que autoriza a presença de pesquisadores estrangeiros no Brasil. Apenas para pesquisas sem fins comerciais. Porém, os resultados dos trabalhos nem sempre são compartilhados com os cientistas brasileiros, conforme exige a lei. Um caso clássico de biopirataria aconteceu na Amazônia. O laboratório Abott, dos Estados Unidos, patenteou um anestésico produzido a partir do veneno de um sapo brasileiro. O produto é semelhante à morfina, sem os efeitos colaterais desta. Mas o Brasil não recebe nada por essa "descoberta". Pior: se quiser se utilizar dela terá que pagar royalties segundo as leis norte-americanas. Há outros exemplos, como o da planta cunani, patenteada pelo químico britânico Conrad Gorinsky como um poderoso estimulante do sistema nervoso central, e a popular espinheira santa, cujo registro já foi solicitado pela indústria japonesa Nipon Mektron. Na semana passada , 25 pajés de todo o Brasil estiveram na Universidade de Brasília para um encontro nacional e elaboraram a CARTA DA SABEDORIA INDÍGENA, que é um libelo em defesa de leis que protejam "os conhecimentos tradicionais contra a biopirataria, o roubo das plantas, do sangue, das madeiras e dos minerais das terras indígenas".
ENQUANTO ISSO, sete laboratórios farmacêuticos internacionais (Aché, Glaxo Wellcome, Novartis, Merck, Biosintética, Eurofarma e Vallé) e sete empresas de cosméticos e perfumaria (as estrangeiras Henkel, Procter&Gamble, BodyShop e as nacionais O Boticário, Natura, Magana e Amazon Ervas) se inscreveram no Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem), do MMA. Querem o direito de explorar os recursos genéticos da floresta e desenvolver novas tecnologias e produtos. O senador Tião Viana (PT-AC) critica a inoperância do governo e vê com desconfiança a presteza do ministério do Meio Ambiente em preparar o terreno para implantar o Probem: " É incoerente agilizá-lo (...) sem o amparo de uma legislação efetiva". Segundo a secretária de Coordenação da Amazônia, Mary Helena Allegretti, o MMA está agindo para tapar esse vácuo legal: os ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e da Ciência e Tecnologia criaram um grupo interministerial para analisar os pedidos de exploração, receber outros novos e determinar formas de combater a biopirataria e essa comissão existirá somente até a aprovação da lei de acesso à biodiversidade.
Correio Brasiliense, Brasil, 23/05/00