"Bens da natureza, para sustentar a vida humana"
'Os bens da natureza são para sustentar a vida humana e não para satisfazer os cofres das empresas', afirma Osvaldo Canziani
Vice-presidente do Grupo de Trabalho 2 do IPCC - Grupo sobre Vulnerabilidade, Impactos e Adaptação às Mudanças Climáticas, - o climatologista argentino Osvaldo Canziani, perguntado em entrevista pela revista eletrônica Terra Magazine, 9-4-07, sobre o tema do etanol, refuga uma análise com o argumento que é uma pergunta com um componente político sobre o qual não pode opinar como cientista, porém acaba dando a sua opinião sobre o tema e afirma que o etanol é insustentável ambientalmente.
Eis a entrevista.
Por que a produção de etanol não é boa para o meio ambiente?
Esse tema segue uma linha muito diferente da que corresponde minha tarefa como vice-presidente do Grupo sobre Vulnerabilidade, Impactos e Adaptação às Mudanças Climáticas. Ademais, essa é uma pergunta com um componente político sobre o qual não posso opinar como cientista. As tarefas do IPCC devem ser cientificamente relevantes, mas não politicamente restritivas. O que faz com que um governo decida sobre o uso do solo e a produção é uma decisão política. As implicações sobre o meio ambiente são outra coisa.
Mas qual o impacto, então, da produção de etanol?
A importante tarefa de desenvolvimento da indústria do etanol constitui um passo importante na redução do consumo de recursos não-renováveis. Todavia, como expressou a cúpula da FAO, não é questão de modificar as condições do uso do solo para satisfazer a demanda de biocombustível exclusivamente; também há que se resolver os problemas de alimentação necessária e suficiente para os milhões de pobres e indigentes que existem em nossa região e no mundo todo. Como em toda atividade humana, o desenvolvimento deve ser sustentável, ou como melhor dizem os franceses, durável. Isto é, não pensar somente no aspecto econômico, mas recordar que o desenvolvimento tem componentes fundamentais, se desejamos que seja durável, que as gerações futuras disponham dos recursos naturais que lhes permitam viver e garantir a vida das gerações seguintes.
E quais são esses componentes?
O primeiro é ambiental. O meio ambiente é um lugar onde se produzem os produtos e serviços que vão desde alimentos até a purificação natural da água, elemento fundamental da vida. O uso racional dos recursos é necessário para a continuidade da vida no planeta. Substituí-lo pelo benefício econômico é um erro total, particularmente quando se esquece o valor social do ambiente. Segundo, social: deve-se partir do pressuposto que os bens da natureza são para sustentar a vida humana e não para satisfazer os cofres das companhias multinacionais ou nacionais. Que, aliás, nem sempre lembram que o fim último das atividades é manter a vida sobre a Terra e não destruí-la para o benefício limitado de umas poucas pessoas ou entidades, quando a pobreza reina no mundo e na América Latina. E, por fim, o componente econômico em si do desenvolvimento.
Por que a produção do etanol, especificamente, não é boa?
Não será boa se não se estabelecer uma matriz integrada de consumos de água, recursos do solo, uso do clima, utilização da energia necessária para a produção e disponibilidade sadia e efetiva dos dejetos, já que a vinhaça (resíduos da cana) é violentamente contaminante. A substituição de combustíveis não-renováveis, como o petróleo, não vai ser absoluta nem total, como não é o uso de energias renováveis para certos processos industriais.
À matriz de desenvolvimento de etanol deve se antepor as necessidades de água, solo, regiões climáticas etc, para que não se diminua outro tipo de produção para um Brasil de população humana crescente. Tampouco se deve desmatar para ampliar a fronteira agrícola, necessária para a produção de quantidades maiores de etanol, esquecendo que o desmatamento tem problemas que se alinham desde a perda de diversidade biológica, até a redução do aproveitamento de dióxido de carbono, a falta de vegetação para frear as enchentes e reduzir os impactos das tormentas. Que, pelo aquecimento global, afetarão com maior freqüência e intensidade as diferentes regiões do Brasil e América do Sul.
Como contribuir para que a situação melhore?
Os impactos serão menores dentro de um marco de utilização racional dos combustíveis. Como se faz em alguns países da Europa, como a Escandinávia, os carros se utilizam de pools de transporte. Não existe um carro em uso para só uma pessoa. O uso reduzido ao máximo de combustível, seja renovável ou não, é a resposta. Se o Brasil vai prover de biocombustíveis um mercado que não seja o próprio, e seja ele EUA ou China, ou a Comunidade Européia, deveria fazê-lo sem prejudicar o seu entorno ambiental muito mais do que faz atualmente. Por exemplo, com o desmatamento da Floresta Amazônica.
Mas atenção que isso não se aplica só ao Brasil. A eliminação da selva oriental do Paraguai, dos bosques de NW da Argentina, os bosques chaqueños do México etc. Sem uma análise racional do uso possível do solo, comete-se um pecado contra a sustentabilidade do desenvolvimento e isso vai contra o bem-estar e a segurança das próprias comunidades locais e regionais. O Mercosul dispõe de um Conselho Ambiental regional que deverá regular este tipo de desenvolvimento.
E para os impactos serem menores?
Um desenvolvimento sem ser sustentável, durável, é um crime contra a Natureza. E como ocorre com os eventos extremos crescentes - tormentas intensas, chuvas de granizo, tornados, e ainda furacões na costa do Brasil -, a mudança climática e suas implicações regionais são o bumerangue do desenvolvimento não planejado. Os valiosos cientistas brasileiros que trabalham nestes temas e que, há mais de 50 anos previram os desastres naturais que afetam a América Latina, deverão ser consultados. As decisões devem se apoiar no Ambiente, Sociedade e Economia. Só baseado nessa tríade que se sustentará o desenvolvimento futuro do Brasil e do mundo.