As terras improdutivas no Brasil e a reforma agrária
Em artigo anterior, sobre as terras devolutas e a concentração fundiária no Brasil, alertei para o fato de que intelectuais, mesmo sem realizar estudos sobre o campo brasileiro, afirmam que o desenvolvimento do capitalismo, via progresso técnico, tornou os latifúndios improdutivos (grilados ou não) em empresas capitalistas
E que, estas empresas tornaram a terra produtiva, logo, dispensando a reforma agrária como alternativa ao desenvolvimento econômico. A reforma agrária ficaria assim, restrita apenas a algumas regiões brasileiras. Vamos à realidade brasileira, e não apenas, ao que a mídia escreve sobre ela.
Em 1996, o INCRA divulgou os dados sobre a distribuição da terra no Brasil, na publicação Estatísticas Cadastrais, a partir do recadastramento dos imóveis rurais realizado em 1992. A estrutura fundiária brasileira apresentava, então, dois milhões de minifúndios ocupando 26 milhões de hectares; 839 mil pequenas propriedades que detinham 51 milhões de hectares; 249 mil médias propriedades com uma área de 66 milhões de hectares; e por fim, 87 mil grandes propriedades que tinham se apropriado de 188 milhões de hectares, ou seja, 56,7% do total das terras cadastradas do país.
A publicação trouxe também, os dados sobre a terra produtiva e a terra improdutiva. Vamos aos números.
Em primeiro lugar, os dados sobre as terras produtivas mostravam que, em termos gerais para o Brasil, apenas 120 mil imóveis (grandes e médios) foram classificados como produtivos ocupando 76 milhões de hectares (25%) da área cadastrada. Isto quer dizer que do total de 310 milhões de hectares cadastrados no INCRA, apenas 25% estavam classificados como produtivos. Em segundo lugar, na outra ponta, estavam os imóveis improdutivos, também médios e grandes, apropriando-se de 50,6% da área cadastrada, ou seja, mais de 157 milhões de hectares de terras que não cumpriam a função social e deveriam ter sido destinadas à reforma agrária.
Neste início de Século XXI, a situação continuava a mesma, pois, em 2003, havia no cadastro do INCRA, um total de 4 milhões e 563 mil imóveis ocupando 436 milhões e 596 mil hectares. Entre estes imóveis havia 111 mil grandes propriedades apropriando-se de 209 milhões de hectares (48% do total); 295 mil médias propriedades em 87 milhões de hectares (20%); e um milhão e 140 mil pequenas propriedades com apenas 74 milhões de hectares (17%). Havia ainda 275 mil imóveis não classificados e 2 milhões e 741 mil minifúndios, que merecem uma análise à parte em outra oportunidade.
Passados mais de dez anos em meio à mundialização do capitalismo, ao avanço do neoliberalismo na economia brasileira e à enxurrada de propaganda midiática sobre agronegócio, qual foi então o quadro sobre a terra produtiva no campo brasileiro?
Com o aumento do número de imóveis e da área cadastrada em mais de 100 milhões de hectares em 2003, havia apenas 161 mil imóveis (grandes e médios) classificados como produtivos ocupando 120 milhões de hectares (27%) da área cadastrada. Enquanto isso, 245 mil grandes e médios imóveis improdutivos continuavam a se apropriar de 176 milhões de hectares. Entre estes imóveis improdutivos, 54 mil grandes propriedades concentram 120 milhões de hectares. Aliás, entre as grandes propriedades improdutivas duas mil delas concentravam um quarto desta área.
Assim, o quadro recente da apropriação privada da terra no Brasil, mostra que menos de um terço é ocupada produtivamente, ou seja, cumpre a função social. A estes dados existentes no cadastro do INCRA, pode-se acrescentar aqueles sobre a área total ocupada pelas lavouras (temporárias e permanentes) na safra de 2005, apenas 65 milhões de hectares. Deste total, a soja ocupava 36% (23 milhões de hectares), a cana-de-açúcar 5,8 milhões (9%), café 2,3 milhões de hectares (3,5%), totalizando desta forma estes três produtos quase a metade da área ocupada.
Poder-se-ia incluir nestes dados, também a área ocupada com a silvicultura, que somou em 2005, cerca de 6 milhões de hectares. A parte restante está ocupada pelas pastagens.
Esta é a realidade sobre a terra no Brasil, onde a maior parte delas não é ocupada de forma produtiva, mas, ao contrário, são terras improdutivas. É desta forma que o capitalismo desenvolve-se no campo brasileiro, revelando seu caráter rentista.
(*) Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).