Armas judiciais contra fábricas de papel no Brasil
Crescem no país as ações judiciais contra grandes empresas produtoras de celulose, especialmente nos Estados onde as plantações de eucalipto estão se expandindo: Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Em julho, a Veracel foi condenada a uma multa de R$ 20 milhões e a retirar plantações de eucalipto de uma superfície de 96 mil hectares, na Bahia
A batalha contra as indústrias de celulose se intensificou nos tribunais do Brasil, especialmente nos Estados onde mais se expandem as plantações de eucalipto: Bahia e Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Neste último, cinco organizações ambientais se uniram no mês passado em uma ação judicial contra a presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Ana Maria Pellini, a quem acusam de praticar assédio moral ao pressionar seus funcionários em processos de interesse do setor papeleiro.
A denúncia se refere a ameaças e transferências injustificadas de técnicos que se negaram a modificar critérios de Zoneamento Ambiental da Silvicultura, na licença para construção de represas e para ampliação que quadruplicará a fábrica de celulose Aracruz, maior empresa brasileira do setor, controlada pelos grupos familiares Lorentzen, de origem norueguesa, e Safra, do Líbano. “Querem nos impor uma ditadura ambiental e rechaçamos esse controle”, reagiu Pellini, negando as acusações e destacando que, ao assumir seu cargo, encontrou 12 mil solicitações de licenças ambientais à espera de avaliação e por isso teve de implementar um plano de emergência na Fepam.
O secretário do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Carlos Brenner de Moraes, defendeu sua funcionária de confiança e os investimentos em silvicultura, que chegarão a R$ 10,7 bilhões entre 2007 e 2011. “Cada milhão de real representa 76 empregos”, ressaltou. As ações judiciais neste Estado se encaminham principalmente a irregularidades em licenças ambientais e acordos para que sejam feitos estudos e informes de impacto ambiental. “Exigimos mais restrições, porque o Zoneamento Ambiental, recentemente aprovado, oferece baixa proteção”, explicou Annelise Steigleder, fiscal de Meio Ambiente de Porto Alegre.
Na Bahia, a promotoria estadual pediu à justiça que anule licenças ambientais para plantio de eucalipto, obtidas pela empresa Veracel, criada por uma associação entre Aracruz e a sueco-finlandesa Stora Enso. A firma “usou meios ilícitos, desde corrupção de funcionários de órgãos vinculados às licenças até subornos de prefeitos e vereadores”, disse João da Silva Neto, coordenador da Promotoria em Eunápolis, município do sul baiano. Também foram obtidos de forma irregular certificados de qualidade para garantir exportações, acrescentou.
Após 15 anos de trâmite nos tribunais, o desenlace da primeira ação do Ministério Público contra a Veracel, em julho, foi uma multa de R$ 20 milhões, respondendo a denúncias de organizações não-governamentais, como a internacional Greenpeace e a brasileira SOS Mata Atlântica. A empresa foi multada e condenada a retirar as plantações de eucalipto de uma superfície de 96 mil hectares – distribuídos em quatro municípios baianos – e a reflorestá-los com espécies nativas da Mata Atlântica, o ecossistema afetado.
A Veracel pediu efeito suspensivo da sentença, porque o exame judicial feito na época da denúncia de “supostas irregularidades e desmatamento” em 64 hectares não comprovou danos ambientais, disse ao Terramérica o presidente da empresa, Antonio Sergio Alípio. A sentença “nos surpreendeu, porque a áreas em questão tinham licença do órgão ambiental estadual e apoio do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente)”, e, também, a empresa recuperou a floresta original além da extensão exigida por lei, assegurou Alípio. A promotoria, entretanto, entendeu que houve falhas no estudo de impacto ambiental e que o Ibama foi omisso nesse caso.
No Espírito Santo, Estado muito devastado, Sebastião Ribeiro Filho, advogado da Rede Alerta contra o Deserto Verde, iniciou a primeira ação popular contra a Aracruz em 2001, depois que a empresa obteve licença para sua fábrica. A justiça suspendeu a obra por quase um ano diante de denúncia do Ministério Público Federal por ausência do estudo e do informe de impacto ambiental, exigidos pela legislação. A companhia assinou um acordo, assumindo o compromisso de cumprir essas exigências e pôde prosseguir suas atividades, mas enfrenta outros processos judiciais por desmatamento e violação de direitos indígenas.
A Aracruz também é questionada por canalizar parte das águas do Rio Doce para abastecer uma de suas fábricas de papel. “A empresa obteve recursos da prefeitura, sem ter o estudo de impacto ambiental, para desviar águas do Rio Doce para o Riacho, principal fonte de água para suas unidades”, justamente quando um de seus ex-diretores era secretário de Desenvolvimento do governo estadual, disse Ribeiro Filho ao Terramérica. A prefeitura justificou a operação alegando que a canalização se destinava a melhorar o fornecimento de água à população dos bairros. A sociedade civil não dispõe de condições financeiras para enfrentar tais empresas nos tribunais, lamentou Ribeiro. “É uma luta de Davi contra Golias”, afirmou.
As iniciativas judiciais em vários pontos do Brasil são produto da consciência da sociedade, sabedora dos danos que a monocultura de eucalipto provoca, como êxodo rural e desemprego, além de desastres ambientais, disse ao Terramérica Ivonete Gonçalves, do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia. “Há 16 anos controlamos, no sul do Estado, empresas de celulose que cometiam crimes como plantar eucaliptos em áreas de preservação permanente, lançando venenos nas nascentes de rios, e o Estado foi conivente e omisso”, afirmou Ivonete. Os que se opõem a essa indústria no Brasil lutam agora pela transparência nas eleições municipais de outubro, rejeitando candidatos cujas campanhas são financiadas pelas indústrias do papel.
“Ao apoiar um candidato, a Aracruz contribui para o processo de fortalecimento da cidadania, em que todos os atores sociais devem necessariamente participar dos processos democráticos”, disse ao Terramérica o serviço de imprensa da companhia. O presidente da Veracel disse que sua empresa participou de campanhas eleitorais sempre cumprindo a legislação e após ampla discussão, já que um de seus controladores, o grupo sueco-finlandês Stora Enso, vem de países com leis mais rígidas. “Além disso, a Veracel aderiu ao Pacto Mundial” promovido pela Organização das Nações Unidas em favor da responsabilidade social empresarial, assumiu compromissos contra a corrupção “e, como quer ser referência em sustentabilidade, não pode cometer deslizes”, concluiu Alípio.