Aquecimento global já está alterando espécies
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O Estado de S. Paulo, Brasil, 5-8-01
http://cf.bol.com.br/ofcn.htm?url=http://www.estado.com.br/editorias//2001/08/05/ger013.html
Aquecimento global já está alterando espécies
Acasalamento e postura de ovos fora de época são duas das conseqüências
LIANA JOHN
Enquanto políticos e diplomatas hesitam em tomar medidas para conter as mudanças climáticas, já começam a ocorrer algumas das conseqüências do aquecimento global sobre as espécies vegetais e animais, Os deslocamentos das espécies, do Equador para os pólos e das baixas para as altas altitudes estão em curso. Acasalamento e postura de ovos fora de época também são observados em espécies de altas latitudes.
Migrações relacionadas ao efeito estufa já ocorreram antes nas glaciações e interglaciações, causando profundas mudanças nas paisagens e nas relações entre espécies. Mas, desta vez, o deslocamento pode reduzir drasticamente a biodiversidade mundial. Hoje, a maioria das espécies encontra-se circunscrita a reservas e parques, cercadas por cidades. Isso impede, sobretudo, a lenta "marcha" das espécies arbóreas, que dependem de sucessivas gerações para migrar. Elas lançam sementes que vão germinar onde o microclima é mais favorável; as novas árvores crescem, lançam sementes mais para frente e assim por diante.
Sinais
- Os primeiros sinais de que o deslocamento das espécies, associado ao aquecimento global, já ocorre, foram notados em ecossistemas montanhosos, onde o território de cada espécie é demarcado pela altitude. Nas montanhas mais altas, o gelo e as neves eternas estão se restringindo a altitudes cada vez maiores, abrindo espaço para a colonização por espécies de médias altitudes. Isto é constatado pela primeira vez na flora dos Alpes, em 90 anos de estudos científicos. Aves da Costa Rica, na América Central; mosquitos da Tanzânia e da Indonésia, na África e na Ásia; e borboletas da América do Norte, estão todos migrando para altitudes maiores e para o norte.
A população da borboleta, cujo nome científico é Euphydryas editha, distribuía-se do México até o Canadá. Um estudo realizado em 1999, em 151 localidades diferentes, mostrou que as populações do México estavam em franco declínio, com algumas extintas localmente, enquanto as do Canadá estavam expandindo na direção norte. Na Califórnia, as populações vivendo acima de 2.400 metros estavam mais aptas a sobreviver à ameaça de extinção do que as borboletas vivendo em altitudes mais baixas. As borboletas deslocaram seu habitat, no último século, cerca de 92 km para o norte e 124 metros montanha acima.
Alterações - Nos Andes colombianos, o mosquito da febre amarela e dengue (Aedes aegypti) antes limitado à altitude máxima de mil metros, hoje prolifera a altitudes de até 2.200 m. O mesmo acontece nas montanhas do México, onde o Aedes aegypti agora chega a até 1.700 m. Na Indonésia, o mosquito transmissor da malária (Anopheles sp), também subiu as montanhas e espalha a doença entre a população de Irian Jaya, que vive a 3.100 m.
Na Costa Rica, a rã dourada de Monte Verde, uma espécie endêmica, já é tida como extinta. A última observação da espécie em seu habitat natural, a mata de neblina, ocorreu em 1987. Desde os anos 70, as neblinas características do Monte Verde diminuíram consideravelmente devido ao aumento da temperatura de superfície. Os especialistas locais acreditam que a rã não tenha conseguido se adaptar ao clima mais seco e à ausência de neblina, assim como outras 20 espécies locais de anfíbios, cujas populações têm declinado dramaticamente.
As mesmas alterações climáticas, no Monte Verde, permitiram que diversas aves da floresta tropical de baixas altitudes passassem a nidificar em áreas de matas de neblina, nas altas altitudes. Foi o caso do tucano de bico chato (Ramphastos sulfuratus), cujo território antigo apenas tangenciava a área ocupada pelos quetzals (Pharomachrus moccino), aves típicas do alto das montanhas. O tucano preda os filhotes dos quetzals.Como os territórios não eram coincidentes, havia um equilíbrio entre as duas espécies, que agora deve se romper com os tucanos nidificando também nas áreas mais altas.
Entre os pássaros do Reino Unido, espécies extremamente dependentes da temperatura para entrar nas fases de acasalamento estão nidificando mais cedo. Estudo de 25 anos mostrou esta tendência em 63% dos casos levantados.