Alaska: dúvida detém rastreamento de DNA: qual o benefício para a tribo?

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O projeto de pesquisa multimilionário da National Geographic Society para coleta de DNA de grupos indígenas de todo mundo, na esperança de reconstituir as antigas migrações da humanidade, está parada na frente doméstica, a América do Norte

Rotulada como "o vôo à Lua da antropologia" o Projeto Genográfico visa coletar 100 mil amostras de DNA indígenas. Mas por quatro meses, o projeto está suspenso aqui enquanto tenta responder às dúvidas levantadas por um grupo que supervisiona o projeto envolvendo os nativos do Alasca.

Em questão está saber se os cientistas que precisam de DNA das populações aborígines para obter uma janela para o passado não estão sendo claros sobre os riscos aos atuais doadores. As histórias de origem geográfica contadas pelo DNA podem entrar em conflito com antigas crenças, ameaçando uma visão de mundo que alguns líderes indígenas consideram vital para preservar sua cultura.

Eles argumentam que a informação de linhagem genética poderia ameaçar direitos de terra e outros benefícios baseados na noção de que seus povos vivem em um local desde o início dos tempos.

"O que acontece se for revelado que você na verdade é siberiano e então, oops, adeus seu plano de saúde?" disse o dr. David Barrett, co-presidente da Conselho de Revisão Institucional da Área do Alasca, que é mantido pelo Serviço de Saúde Indígena, uma agência federal. "Alguém explicou isto a eles?"

Tais situações não surgiram e as autoridades do Projeto Genográfico as descartam como improváveis. O dr. Spencer Wells, o geneticista populacional que dirige o projeto, disse que é paternalismo supor que os grupos indígenas devem ser afastados do conhecimento que a genética pode oferecer.

"Eu não acho que os seres humanos em sua essência são avestruzes", disse Wells. "Todos têm um interesse em saber de onde vieram, e os povos indígenas têm mais interesse em seus antepassados porque é muito importante para eles."

Mas os líderes indígenas apontam para séculos de promessas não cumpridas para explicar o motivo para acreditarem que seus temores estão longe de serem infundados. A evidência científica de que os índios americanos ou outros grupos aborígines vieram de outro lugar, eles dizem, poderia minar sua base moral para soberania e resultar em perdas de suas reivindicações legais coletivas.

"Talvez beneficie a ciência", disse o dr. Mic LaRoque, outro co-presidente do conselho do Alasca e membro da tribo Turtle Mountain Chippewa, de Dakota do Norte. "Mas não estou convencido de que há um benefício para as tribos."

A busca do DNA indígena é motivada pelo desejo de responder questões para as quais evidências arqueológicas são escassas. Como os descendentes dos caçadores-coletores que deixaram o berço da humanidade no Leste da África, há cerca de 65 mil anos, vieram habitar este canto da Terra? Que rotas tomaram? Quem foi para onde e quando?

À medida que os humanos ancestrais se espalharam em direções diferentes, mutações distintas começaram a se acumular no DNA de cada população. Como migalhas de pão, estes marcadores genéticos, deixados intactos por milênios, podem revelar a trilha dos pioneiros originais.

Todos não-africanos compartilham uma mutação que surgiu nos ancestrais do primeiro povo a deixar o continente, por exemplo. Mas os descendentes daqueles que seguiram para o norte e se estabeleceram no Oriente Médio carregam um marcador diferente daqueles que foram para o sudeste, na direção da Ásia.

Mas a maioria das 6 bilhões de pessoas do mundo estão distantes demais de onde seus ancestrais estabeleceram suas raízes para ser de utilidade para os geneticistas populacionais. O Projeto Genográfico está se concentrando em DNA de pessoas que ainda vivem em suas terras ancestrais, porque fornecem um elo geográfico crucial entre os marcadores genéticos encontrados atualmente e as rotas percorridas há muito tempo.

Em seus primeiros 18 meses, os cientistas do projeto tiveram sucesso considerável, persuadindo mais de 18 mil pessoas em locais isolados como a ilha de Pemba, no leste africano, e as Montanhas Tibesti, no Chade, a doar seu DNA. Quando a equipe norte-americana chegou ao sudoeste do Alasca, ela encontrou voluntários para a coleta de amostras e histórias de família por todo tipo de motivos.

Os membros do conselho da Aldeia Nativa de Georgetown, por exemplo, pensaram que o projeto poderia estimular um senso de orgulho cultural.

Glenn Fredericks, presidente da tribo de Georgetown, estava ávido por prova de uma unidade ancestral entre seu povo e índios americanos de outras partes, o que poderia criar um maior poder político. "Eles praticam as mesmas coisas que nós", disse Fredericks. "Será que havia troca de membros das tribos? Seria bom saber."

Outros disseram que o teste finalmente forçaria um reconhecimento de que estavam aqui primeiro, minando aqueles que vêem o governo como tendo lhes "dado" suas terras.

Por sua vez, outros estavam interessados na mecânica da migração: "As terras estavam todas juntas? Eles chegaram aqui de barco?" Para muitos americanos não-indígenas, que se sentem desligados de suas raízes, o projeto também teve ressonância: quase 150 mil rasparam células de suas bocas e as enviaram para a sociedade com US$ 100 para saberem o que os cientistas sabem até o momento sobre como e onde seus antepassados individuais viveram além das brumas da pré-história.

Ao dar ao público em geral uma forma de participar, apesar de gerar pouco retorno científico, o projeto criou um grupo incomum de acionistas com interesse pessoal em seu sucesso. Mais detalhes, o projeto explica em seus esboços de ancestralidade que fornece aos indivíduos, virão apenas com mais DNA indígena.

"Eu acho que é preciso ser sensível com estas culturas", disse Jesse R. Sweeney, 32 anos, um advogado de falências de Detroit que espera que lacunas de milênios na história de seus ancestrais algum dia sejam preenchidas.

"Mas com sorte eles mudarão de idéia e contribuirão para a pesquisa."

O DNA de Sweeney coloca seus ancestrais maternos no Oriente Médio há cerca de 50 mil anos. Depois disso, eles podem ter ido para o norte. Ou talvez para o sul: "Este é o ponto onde as pistas genéticas ficam confusas e seu teste de DNA não leva a lugar algum", diz a conclusão de seu teste no site do projeto. "Trabalhando juntos com povos indígenas ao redor do globo, nós estamos aprendendo mais sobre estas migrações ancestrais."

O primeiro grande esforço para coletar DNA indígena, desde que o financiamento federal foi retirado de um projeto semelhante devido à oposição indígena, em meados dos anos 90, o Projeto Genográfico obteve aplausos discretos de muitos geneticistas por ressuscitar ambições científicas que têm se tornado cada vez mais urgentes. À medida que grupos indígenas se misturam e se dispersam em um ritmo cada vez mais acelerado, muitos cientistas acreditam que a captura da história humana está rapidamente desaparecendo.

"Todos os demais já desistiram", disse Mark Stoneking, professor do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária. "Se obtiverem mesmo uma fração do que almejam, será muito útil."

Diferente do anterior Projeto da Diversidade do Genoma Humano, condenado por alguns grupos como "biocolonialismo" porque os cientistas poderiam lucrar com os dados genéticos que poderiam ser usados para desenvolver drogas, o Projeto Genográfico promete não patentear nada e evitar a coleta de informações médicas.

O projeto destinou metade da receita da venda dos kits para o público para programas voltados à preservação das culturas e línguas tradicionais.

Em maio, as autoridades do projeto realizaram um encontro tempestuoso em Nova York com o grupo de direitos indígenas Sobrevivência Cultural, enquanto manifestantes carregavam cartazes dizendo "National Geographic Suga o Sangue Indígena". Logo depois, o Fórum Permanente das Nações Unidas para Assuntos Indígenas recomendou a suspensão do projeto.

Em terra, cada região tem seus desafios. Para obter progresso científico, os geneticistas do projeto estão descobrindo que precisam primeiro superar o emaranhado não familiar de apreensões políticas, religiosas e pessoais.

Pierre Zalloua, o diretor do projeto no Oriente Médio, enfrenta a suspeita de que é um emissário de um grupo de oposição que tenta provar que as linhagens deles não são importantes. Himla Soodyall, a diretora do projeto no Sul da África, se viu tentando explicar aos povos que adoram seus ancestrais o que mais sua pesquisa poderia acrescentar. Na Austrália, alguns grupos aborígines se recusaram a cooperar.

Mas entre os 10 geneticistas que a sociedade incumbiu de coletar 10 mil amostras cada até 2010, o dr. Theodore G. Schurr, o diretor do projeto na América do Norte, é o que está em último lugar. Menos de 100 frascos de DNA ocupam uma pequena caixa de plástico no grande freezer de seu laboratório na Universidade da Pensilvânia, onde é professor assistente de antropologia. E a pedido do conselho de revisão do Alasca, ele enviou de volta as cerca de 50 amostras que coletou no Alasca para serem armazenadas em um banco de espécimes aos cuidados dela, até que possam responder às suas preocupações.

Os índios americanos, disse Schurr, possuem a resposta para uma das muitas lacunas notáveis no mapa de migração pré-histórica. Apesar da maioria dos cientistas aceitar que os primeiros americanos cruzaram a ponte de terra do Estreito de Bering, que ligava a Sibéria e o Alasca há cerca de 20 mil anos, não há prova de onde precisamente estes viajantes vieram, e que rota tomaram ao sul assim que chegaram.

A comparação do DNA de um grande número de índios americanos poderia revelar se seus ancestrais eram de uma mesma população fundadora, e quando chegaram às Américas. E conhecer as rotas e o momento das migrações dentro das Américas forneceria uma base para o estudo de como os povos se diferenciaram tão rapidamente.

Mas quase toda tribo reconhecida pelo governo federal na América do Norte rejeitou ou ignorou o convite de Schurr de participar. "O que os cientistas estão tentando provar é que somos como os Peregrinos, exceto que chegamos vários milhares de anos antes", disse Maurice Foxx, presidente da Comissão de Massachusetts para Assuntos Indígenas e membro dos Mashpee Wampanoag. "Por que lhes daríamos tal abertura?"

Alguns índios americanos apóiam suas suspeitas na experiência da tribo Havasupai, cujos membros doaram DNA para um estudo sobre diabete que os pesquisadores da Universidade do Arizona posteriormente usaram para associar os ancestrais da tribo à Ásia. Para os membros da tribo que foram criados acreditando que o Grand Canyon é o berço da humanidade, a sugestão de que seu próprio DNA diz o contrário é profundamente perturbadora.

Quando Schurr foi finalmente convidado a um punhado de aldeias no Alasca, ele aceitou prontamente. Mas quando chegou à South Naknek, uma minúscula aldeia nativa na Península do Alasca, para informar sua análise do DNA que obteve em uma missão anterior, o conselho de revisão do Alasca prestou queixa aos supervisores de sua universidade.

O formulário de consentimento que todos os voluntários devem assinar, disse o conselho do Alasca, deve conter mais detalhes sobre os riscos, incluindo o fato de que o DNA estaria armazenado em um banco de dados ligado à informação tribal.

A mais recente tentativa de Schurr de uma formulário revisado será analisada neste mês pelo conselho do Alasca e pelo conselho da Universidade da Pensilvânia que está supervisionando o projeto.

Enquanto isso, seus primeiros resultados surpreenderam alguns dos moradores do Alasca que lhe deram seu DNA. Em South Naknek, Lorianne Rawson, 42 anos, descobriu que seu DNA contradiz o que sempre acreditou. Ela não é descendente dos aleutas, como seus resultados de teste sugerem, mas sim de seus antigos inimigos, os esquimós yupik.

A ligação com os yupiks, disse Rawson, apenas a deixou mais curiosa. "Nós queremos que eles façam mais pesquisa", ela acrescentou, oferecendo a Schurr mais parentes para serem testados.

Mas ela terá que esperar.

UOL, Internet, 10-12-06

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