Ajuda contaminada


Prensa



O Globo, Brasil, 11-11-02
http://oglobo.globo.com/oglobo/opiniao/63316574.htm

Ajuda contaminada



Por Jean Marc Von Der Weid*

Arecusa do governo da Zâmbia de aceitar alimentos contaminados com transgênicos levantou uma celeuma que responde, no fundo, à estratégia das empresas que controlam estes controversos produtos. Os transgênicos produzidos nos Estados Unidos só se vendem porque não há rotulagem naquele país e o governo compensa os agricultores com subsídios de US$ 10 bilhões por ano e com compras destinadas à distribuição para ajuda alimentar aos países pobres.

As empresas que produzem os transgênicos, Monsanto, Syngenta, Dupont e outras, dependem da ajuda do governo americano para não serem varridas do mercado pela rejeição dos consumidores, inclusive americanos.

A ajuda alimentar já foi questionada como cínico instrumento de penetração em mercados dos países receptores, com perigosos efeitos locais. O mais evidente é a criação de padrões de consumo de artigos de difícil produção nacional, como o trigo na África. Pior ainda é chantagear um país pobre, com uma crise social profunda e milhares de famintos, para que consuma alimentos rejeitados em todo o mundo. É simplesmente indecente!

Se o objetivo é ajudar os famintos e não desovar estoques encalhados, o que deve ser feito é sabido há muito tempo. Muitas vezes o problema de fome não é falta de produção nacional mas de dinheiro para comprar alimentos. É o caso do Brasil, por exemplo. Em países pobres os governos não têm recursos para comprar alimentos e distribuí-los de graça e apelam para a ajuda internacional. Nestes casos, doar alimentos é contraproducente, pois arruína agricultores e engrossa o número de famintos. Seria preciso doar dinheiro para que os governos pudessem comprar produtos nacionais e distribuí-los.

Se há crise de produção de alimentos e incapacidade dos governos de comprá-los nos mercados externos, a solução inteligente não é distribuir excedentes dos ricos, mas ajudar a comprar os produtos nos mercados regionais e internacional. Só em último caso, e pelo período mais curto possível, é que se deve aproveitar excedentes como ajuda alimentar. A experiência mostra que a fórmula de doar o que sobra do Norte para os famintos do Sul é boa para o Norte, mas cheia de problemas de longo prazo para o Sul. E não se diga que faminto não tem escolha, deve comer o que lhe derem! Se a intenção é ajudar e não resolver seus próprios problemas, há outras opções a impor alimentos ao Sul que os consumidores do Norte rejeitam por considerá-los arriscados.

* JEAN MARC VON DER WEID é coordenador da campanha "Por um Brasil livre de transgênicos".

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