Violência no campo: número de conflitos registrados pela CPT em 2020 é o maior dos últimos 35 anos
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou os números do relatório Violência no Campo 2020, um levantamento com os registros de todas as ocorrências de conflitos registrados durante o ano passado nas zonas rurais do Brasil. Os números são assustadores: de acordo com a CPT, os episódios de violência nunca foram tão altos e os números são os maiores dos últimos 35 anos.
Publicado por Greenpeace Brasil
Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
Disputa por terra
O número de conflitos envolvendo especificamente disputa de terra foi de 1.576, também o maior registro verificado desde 1985. Este número é 25% superior ao registrado em 2019 e 57,6% maior que o visto em 2018. As famílias que sofrem com este tipo de ocorrência somaram 171.625. Os povos indígenas são a maioria dessas famílias (96.931, ou 56% do total).
Ainda sobre os conflitos por terra, a CPT diz que, ao analisar a série histórica dos dados (que vem desde 1985) é possível perceber um aumento considerável deste tipo de conflito nos últimos dois anos. 2020 teve um aumento de 25% no número de registros em relação a 2019 e 2019 já havia tido um aumento de 26% em relação a 2018. O número de conflitos por dia, que era de 2,74 em 2018, passou para 3,45 em 2019 e 4,31 em 2020.
Outro número recorde registrado nesta edição do relatório mostra que 81.225 famílias tiveram suas terras ou territórios invadidos em 2020 – o maior número deste tipo de violência já registrado pela CPT. 71,8% dessas famílias são indígenas.
Ataques recentes
Fatos recentes divulgados em jornais e televisão ilustram bem essa realidade: semana passada a liderança indígena Maria Leusa Kaba, do povo Munduruku, teve sua casa incendiada na aldeia Fazenda Tapajós, no interior do Pará. Nas últimas semanas, o povo Yanomami, em Roraima, também sofreu ataques, quando garimpeiros atiraram e posteriormente lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra a aldeia Palimiú.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) os ataques aos Yanomami resultaram na morte de duas crianças. Nos dois casos, as lideranças indígenas se colocaram contra a invasão que os garimpeiros vem promovendo em seus territórios em anos recentes.
Aumento
Membro da coordenação nacional da CPT, a economista Isolete Wichinieski contou que o aumento de alguns índices podem ser atribuídos à paralisação de diversas políticas agrárias, que provocam inseguranças e acirram conflitos por todo o País.
“Já percebemos, desde 2016, uma paralisação neste tipo de medida. A reforma agrária está parada e a demarcação de terras indígenas, assim como a titulação das terras quilombolas, não anda. Isso sem falar nas desregulamentações e na falta de fiscalização e gestão das unidades de conservação”, disse a economista.
Isolete chamou a atenção para o fato de que, mais do que números, a CPT busca registrar histórias: “Estamos falando de pessoas, de famílias, que estão sofrendo violência direta do capital. São pessoas removidas e atacadas em seus lugares de origem. Isso é muito sério”.
Violência recorde
Como se vê, tal aumento tão expressivo nos dados de violência no campo do país não ocorre à toa. Trata-se de um resultado direto da política do Governo Bolsonaro. Não satisfeito em atingir os maiores níveis de desmatamento e queimadas da década, Bolsonaro promove também a violência em níveis recordes. E a situação pode ficar ainda pior: com apoio do Congresso Nacional, o governo busca aprovar uma série de projetos de lei que irão trazer ainda mais desmatamento, violência e injustiça social.
Ao querer aprovar projetos que favorecem grileiros de terras e incentivam novas invasões de terras públicas – projetos que reduzem direitos indígenas e abrem seus territórios para exploração econômica de diferentes tipos; promovem a liberação massiva de agrotóxicos; favorecem a produção de commodities em detrimento aos agricultores familiares e colocam a população em risco, entre outros – o governo faz um duplo trabalho: avança na desregulamentação da nossa legislação e desprotege populações indígenas e o meio ambiente, que ficam à mercê de invasores e criminosos em seus territórios.
Desmatamento e violência
Membro da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar contou que a maior parte dos conflitos no campo do país tem origem no modelo de desenvolvimento proposto para os nossos biomas, que é baseado no latifúndio.
“Existe uma enorme preocupação hoje no mundo com os altos índices de desmatamento registrados na Amazônia e no Pantanal, por exemplo. Mas nem todo mundo lembra que se há aumento na violência contra a floresta, há aumento também na violência contra os povos que vivem dentro dela. Muita gente não vê essas violências – nem todos os casos são judicializados, nem todas as ocorrências viram inquéritos”, disse Danicley.
Semana passada, completou-se dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria, os extrativistas que foram emboscados no interior do Pará e viraram símbolo de luta e defesa da floresta. O mandante do crime está foragido e nunca foi preso. Danicley lembrou que precisamos responsabilizar ocorrências como essa: “Não podemos deixar que a morte das lideranças ambientalistas tenha sido em vão. Lembremos de Expedito Ribeiro, Dezinho, Dema, Dorothy, Chico Mendes e tantos outros… é preciso fazer justiça a esses mortos todos”.
Outros dados trazidos pela CPT:
- Foram registrados quatro assassinatos em conflitos por água em 2020, o maior índice registrado desde que a contagem passou a ser feita, em 2002;
- Os conflitos por água vêm crescendo na última década – passaram de 69 em 2011 para 502 em 2019. 2020 teve 350 registros do tipo, o segundo maior índice da série histórica.
- Os conflitos trabalhistas no campo aumentaram em 7%, totalizando 96 ocorrências em 2020, o maior número dos últimos seis anos. Foram 1.104 trabalhadores e trabalhadoras atingidos por este tipo de conflito ano passado.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos