Uma outra ciência é possível?
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Uma outra ciência é possível?
Fórum Social busca caminhos para uma nova ciência
Reportagem e edição: Rafael Evangelista
Com Ciência, 4-3-02
http://www.comciencia.br/
A década de 1990 assistiu a transformações importantes no campo da pesquisa científica em todo o mundo. A explosão da indústria da informática, a polêmica tecnologia dos alimentos transgênicos, a Internet gráfica, os primeiros passos para a clonagem humana, a corrida pelo sequenciamento genético foram alguns dos processos que se iniciaram ou se intensificaram na década passada. No contexto mundial, a queda de algumas barreiras comerciais entre os países está na raiz dessas mudanças. As grandes corporações, ao intensificarem o comércio com países subdesenvolvidos, demandaram transformações nas leis que regulam as transações entre os países. O enrijecimento das leis de propriedade intelectual tornaram o conhecimento científico - regulado pelas patentes - e os bens culturais - regulados pelos direitos autorais - mercadorias nobres do comércio global.
Discutindo essas questões, o Fórum Social Mundial, o grande encontro dos movimentos sociais por alternativas ao atual modelo de globalização colocou a ciência do século XXI e a propriedade do conhecimento no centro de algumas discussões. O seminário "Tecnociência, ecologia e capitalismo" e a conferência "Saber, direitos de reprodução e patentes" foram os debates centralizadores dessas questões.
Entre os participantes estiveram presentes filósofos da ciência como Hugh Lacey, cientistas como Jean Pierre Berlan, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas da França, agricultores como Wilson Campos, representante da Via Campesina e desenvolvedores de software como Richard Stallman, um dos grandes expoentes do movimento pelo software livre.
O filósofo da USP Marcos Barbosa de Oliveira, que comandou o debate "Tecnociência, ecologia e capitalismo" justificou o questionamento sobre a tecnociência alegando que o neoliberalismo uniu os domínios da ciência e da tecnologia. Para ele, a esquerda e os movimentos anti-capitalistas ainda encontram dificuldades em questionar a ciência por serem herdeiros de um pensamento que colocava a tecnologia como o lado bom do capitalismo. Oliveira problematizou essa idéia apontando para as possíveis consequências de exclusão social a partir da ligação entre ciência e capitalismo.
Na mesma linha, o filósofo canadense Hugh Lacey propôs a adequação da ciência aos valores do Fórum Social Mundial. "A questão central deve ser o bem-estar de todos e não o bem-estar do capital", afirmou ele. Como exemplo, levantou a questão dos transgênicos, que estão sendo utilizados mesmo que as pesquisas sobre sua segurança não sejam conclusivas. A necessidade de realizar rapidamente os lucros, retornando os investimentos feitos em pesquisas, seria uma característica do neoliberalismo.
Lacey falou sobre a existência de valores sociais na atualidade que prezam o controle sobre os objetos naturais. Essa "Valorização Moderna do Controle" seria central na vida cotidiana e não subordinada a outros valores morais e éticos. Parte da legitimação do neoliberalismo passaria pela incorporação dessas idéias de maneira global, sendo também complementar às idéias de "modernização", "desenvolvimento" e "liberdade".
O agrônomo francês Jean Pierre Berlan também questionou a idéia que temos de progresso. "A idéia é que a diversidade é coisa do passado e a especialização e as máquinas é que são o futuro". Berlan afirmou que o tipo de ciência que temos é uma imposição. "A biotecnologia, por exemplo, atende muito mais aos interesses das multinacionais do que da população". Hoje, a ciência seria subserviente aos interesses do capital.
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