Nova resolução que facilita liberação de transgênicos apresenta ‘conceitos enganosos’
"Falsa ideia de cientificidade em uma decisão que atende interesses políticos", critica especialista, Resolução normativa nº 24 indica, por exemplo, 'risco negligenciado', ou seja, ameaça 'pequena' que pode ser desconsiderada a despeito do tamanho da população.
É “alarmante” para o coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo, a introdução do conceito de “risco negligenciável” na Resolução Normativa nº 24. Aprovada no final do ano pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas publicada apenas no dia 9 de janeiro, a RN24 dispõe sobre normas para liberação comercial e monitoramento dos organismos geneticamente modificados, conhecidos como transgênicos. Um texto que, para além dos novos critérios apresentados, no seu geral deveria ser constrangedor para o Ministério da Saúde, como critica Melgarejo.
Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, o colaborador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida e membro da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) analisa que a resolução não só facilita a liberação de mais transgênicos no Brasil, como é uma expressão dos interesses comerciais e coloca o meio ambiente e a saúde da população em perigo, a começar pela adoção de critérios de risco “negligenciável”, que trata da chamada “probabilidade desprezível” no “tempo provável de uso”.
“Esse ‘risco pequeno’ é uma coisa muito difícil de ser aceita. Normalmente, quando se fala em risco, se fala em probabilidade de ocorrer, então eles dizem que a probabilidade pode ser tão pequena que o risco pode ser negligenciado. E uma probabilidade pequena, num país com 200 milhões de habitantes, sempre pega muita gente. É alarmante que se introduza essa ideia de risco negligenciado”, explica, acrescentando crítica {a ideia de “tempo provável de uso”, que sugere que o estudo terá de ser feito quando o risco tiver probabilidade de acontecer, ser “concreto”, mas dentro do tempo de validade comercial.
“Um ser vivo liberado no meio ambiente ficará ali por prazo indefinido. Quando a empresa retirar do mercado, porque não funciona, a CTNBio entende que o risco desapareceu? E é negligenciável o que possa ocorrer com 1.000 pessoas, numa população de 200 milhões?, questiona Melgarejo.
Conceitos enganosos, simplificação da análise
Na prática, de acordo com o especialista, tanto a ideia de “risco pequeno” como a de “risco concreto” parecem insuficientes para cumprir com o rigor técnico que deveria ter um estudo sobre os OGMs. “São conceitos enganosos”, alerta Melgarejo. “Foram estabelecidos para dar uma falsa ideia de cientificidade numa decisão que atende interesses políticos”. Para o coordenador-adjunto, a RN24 parece atender a uma nova tendência do campo da biotecnologia, que faz com que os novos objetos de pesquisa migrem das plantas geneticamente modificadas para os micro-organismos.
Isso implica numa nova geração de organismos geneticamente modificados e que pela nova resolução da CTNBio serão avaliados de forma simplificada, quando não dispensados de análise.
“Eles vão dispensar de risco algo que nós não vamos ter condições de enxergar a olhos nu no campo, como enxergaríamos com as plantas, na fase anterior. As análises de risco que foram dispensadas são basicamente aquelas com impacto na saúde. Antes, por exemplo, era obrigatório avaliar um animal que consumisse um grão transgênico durante duas gerações, pelo menos”, explica. “Os estudos agora serão feitos de forma simplificada, quer dizer, mais tênue, mais frágil, menos robusta e informativa”, ressalta o especialista.
A nova resolução contempla as sementes, insetos, leveduras, bactérias a outros micro-organismos derivados de modificação genética em laboratórios. E coloca o Brasil na contramão de outros países do mundo ao afrouxar a legislação, enquanto no exterior se aprimoram regras para identificar os riscos.
“Eles dizem que os OGMs são tão semelhante que não precisamos fazer estudos aprofundados, e esquecem que de fato se trata de algo tão diferente que justifica uma patente nova. É tão diferente que é apresentada como um invento e, ao mesmo tempo, essa norma da CTNBio diz que pode ser tão semelhante que dispensa estudos aprofundados. Isso nos parece muito alarmante”, pontua Melgarejo.
Debate público
Apesar das advertências do especialista, a liberação de transgênicos foi aprovada por unanimidade pela CTNBio, passando quase despercebida pela população no geral. O que surpreende, para o coordenador-adjunto do Fórum. “Alguns dos presentes estavam desatentos e não perceberam o que estavam votando?”, questiona Melgarejo em referência aos representantes dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
“Essa RN24 merecia um debate público. Seria interessante verificar como que as pessoas que votaram pela sua aprovação resistiriam às críticas mais objetivas, à luz da sociedade”, afirma.
Fonte: Rede Brasil Atual