Marcha Mundial das Mulheres delibera cartas aos participantes do comercial da Aracruz
Em protesto à participação de personalidades culturais e esportivas no comercial "O papel do Brasil", financiado em prol da consolidação da maca da Aracruz Celulose, militantes da Marcha Mundial das Mulheres estão circulando na Internet cartas dirigidas às personalidades que emprestaram sua imagem à instituição
Por MMM
Acreditando que a Aracruz esteja usando um célebre mecanismo da comunicação institucional - o de associar a sua marca, em períodos de crise, a nomes e indivíduos célebres, desfazendo a conotação negativa que ocasiona - o movimento questiona a responsabilidade daqueles e aquelas que aceitaram associar sua celebridade à marca, num momento em que a sociedade civil organizada repudia sua ação devastadora no campo brasileiro, que se manifesta na expulsão dos quilombolas e indígenas de suas reservas em função da expansão das monoculturas de eucalipto.
A Marcha enviou um modelo de carta - onde principia citando o nome da ginasta Daiane dos Santos, mas depois a repete, substituindo-o pelo do ministro Gilberto Gil, astronauta Marcos Pontes, iatista Robert Scheidt, cantor Seu Jorge e Pelé, sucessivamente - a diversas redes e movimentos, estimulando a participação de todos e todas, tornando a remeter a mensagem aos ilustres participantes da propaganda. Segue abaixo a forma como está sendo encaminhada:
"Cara Dayane dos Santos,
Nós, da Marcha Mundial das Mulheres, ficamos incomodadas ao ver a sua imagem, junto à de uma série de personalidades da elite esportiva e cultural de nosso país, associada a da Aracruz Celulose, num milionário comercial de TV. Incômodo, embora seja uma palavra leve, talvez se adeque melhor ao sentimento que temos. Pois, conhecemos o grande apelo corporativo e institucional e as vantagens que uma marca como esta é capaz de proporcionar.
A Aracruz, como toda grande empresa voltada para o lucro, principalmente diante deste momento tumultuado em que enfrenta a oposição solene de diversos setores da sociedade ligados à luta pelos direitos humanos, solidariedade e soberania, sabe que o investimento numa campanha que vincule a sua imagem a um ideal vitorioso de cidadania é o melhor emprego que os seus dividendos poderiam ter. Sabemos disso também.
Sabemos que há apoios e ofertas para um atleta, músico ou artista, num país com uma política de educação e cultura frágil como a nossa, são praticamente impossíveis de se recusar. Mas, na contramão de tudo isto, também estamos cientes de que, mais que tudo, o valor de seu nome é o seu grande referencial. Seu nome é imediatamente relacionado a um exemplo de superação, é uma inspiração aos nossos corações e mentes. Seu nome, nesse mesmo país de tanta luta inglória daqueles que estão à margem até mesmo dos sonhos que sua imagem representa, é muito valioso.
Incomoda saber que ele estará associado à Aracruz, uma empresa que devasta milhares de hectares de terra no Brasil para plantação extrativista de eucalipto, uma planta que não mata a fome de nossa população e cuja produção só se destina a fortalecer o capital externo.
Incomoda saber que ao seu nome será atribuída uma parceria com a mesma empresa que expulsa de suas reservas milhares de quilombolas e indígenas, que derrama o sangue de tantos agricultores e agricultoras que necessitam de um pedaço de terra para alimentar suas famílias, para, em vez disso, estender um grande deserto verde, onde jaz a desigualdade e a marginalidade de todas as pessoas que lutam pelo direito igualitário à terra no Brasil.
Incomoda no mais profundo de nossa consciência saber que o seu nome, o seu valor, o seu ideal para todos nós, brasileiros e brasileiras, está assinado embaixo dessa grande força propulsora, que em nome do dinheiro promove a dor e a devastação nesse mesmo país, onde ele se tornou símbolo de tudo o que há de melhor. Nos incomodamos por nos sentirmos responsáveis, por sabermos que nosso silêncio, diante de tudo isso, irá deixar nossos nomes, anônimos, também omissos. Nos incomodamos ao assistir a tudo isso na realidade do país que ajudamos a construir.
Nos incomodamos porque toca à nossa dignidade cidadã e fere os nossos princípios. E é por isso que lhe escrevemos está carta, para, ao menos tentar, lhe deixar tão incomodada quanto nós!
Marcha Mundial das Mulheres, Mossoró-RN, Brasil.
Fonte: MPA, 27-6-06