Lançado o Atlas de Conflitos Pan-Amazônico, “um grito de defesa e de proteção da Amazônia e de seus povos”

Idioma Portugués
País Brasil

A Amazônia tem se tornado terra de conflitos, nem sempre conhecidos, o que muitas vezes os faz invisíveis. No Brasil, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, desde 1985, elabora o Caderno de Conflitos no Campo, que tem ganhado grande reconhecimento tanto dentro como fora do Brasil. Nos últimos anos, a Amazônia tem se tornado o foco principal desses conflitos relatados todo ano pela CPT, fruto da cobiça dos poderosos, que estão atrás de uma terra em disputa, ou para melhor dizer, de uma terra que tem dono, os povos indígenas e as comunidades tradicionais, que estão morrendo na defesa de uma terra que é sua e os poderosos estão querendo lhes roubar.

Foto del Sitio: DW

Nesta quarta-feira, 23 de setembro, foi lançado o Atlas de Conflitos Pan-Amazônico. A publicação é fruto de uma ideia que surgiu em 2018 no VIII Foro Social Pan-Amazônico, que aconteceu em Tarapoto, Peru. O Atlas é resultado do trabalho em conjunto de organizações de quatro países: Brasil (CPT, Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Terra e Território na Amazônia (Gruter) da Universidade Federal do Amapá, Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas), Bolívia (Centro de Investigación y Promoción del Campesinado (CIPCA) e Federación Nacional de Mujeres Campesinas Bartolina Sisa), Peru (Instituto del Bien Común) e Colômbia (Asociación Minga e Universidad de La Amazonia), cobrindo 85% da área da Pan-Amazônia, recolhendo dados referentes aos anos de 2017 e 2018. Para a segunda edição já tem se somado o Equador.

No Atlas aparecem dados sobre povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e campesinos. O levantamento registra 1.308 conflitos em 2017 e 2018, a maioria no Brasil, com 995 do total, muitos dos quais continuam, atingindo 167.559 famílias amazônicas. Mesmo diante das diferentes realidades em cada um dos países, as causas dos conflitos são comuns a todos os países: o agronegócio, a mineração, extração de madeira, plantio de produtos ilícitos, construção de infraestruturas, hidroelétricas, projetos energéticos, também a criação de reservas de conservação ambiental em atrito com as comunidades que as habitam, e por último o uso público ou militar de territórios habitados por esses grupos.

O processo de luta e resistência das comunidades em defesa dos seus territórios, tem provocado situações de violência e morte. Nos dois anos recolhidos no Atlas foram 118 mortes, 80 no Brasil, bem como tentativas de assassinato (100), ameaças de morte (225) e agressões de diversos tipos (115). Junto com isso aconteceram 401 despejos de terras e 380 casos de destruição de casas, lavouras ou outros bens.

Como aparece recolhido no preâmbulo do Atlas, “esse mosaico de conflitos no campo nos apresenta uma parte do imenso universo do povo amazônico, povo este que luta pelos seus direitos e enfrenta as ameaças contra toda violência, criando caminhos de resistência, de solidariedade, de Vida e de Esperança que não podemos deixar de apoiar”. Não podemos esquecer o chamado a “defender a vida, defender nossos territórios que são constantemente ameaçados e saqueados por grandes grupos que se preocupam apenas com os recursos financeiros”. Estamos diante de dados que “são testemunhas de tanta dor e sofrimento de nosso povo que não podemos calar nem esconder”.

O Atlas recolhe mapas gerais e depois é apresentada a realidade de cada país, mostrando a conjuntura, o contexto, o mapeamento de conflitos e um caso emblemático em cada um dos quatro países. Ao mesmo tempo, o Atlas deve ser entendido à luz da Querida Amazônia, que nos apresenta a Amazônia “em seu esplendor, mas também em seu drama e seu mistério”, segundo lembrava Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira. O vice-presidente da CPT destacava a importância dos “defensores para que nossa Querida Amazônia continue sendo assim, no esplendor e no mistério”. Ele também lembrava as palavras de Querida Amazônia, que no número 12 diz que “a devastação ambiental da Amazônia, e as ameaças à dignidade das suas populações”, o que pode ser considerado como um drama.

O bispo de Itacoatiara criticava as palavras ofensivas dirigidas aos indígenas e caboclos, “pelo que se chama aí de presidente da República do Brasil, ontem na abertura da Assembleia da ONU, quando infelizmente, ele declara que os incêndios que estão acontecendo na Amazônia e no bioma do Pantanal, esses incêndios acontecem nos lugares no entorno, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados”. Junto com isso lamentava que o presidente dissesse que “os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação” e que “ele mantém uma política de tolerância zero com o crime ambiental”. A importância desse Atlas, segundo o bispo, é que ele vai “nos mostrar esses conflitos territoriais na Pan-Amazônia e vai servir também como uma forma de busca de um grito de defesa e de proteção da Amazônia e de seus povos.

A elaboração do Atlas, segundo Darlene Braga, teve o envolvimento de várias pessoas e instituições, afirmando que foram superados inúmeros desafios, nascidos no processo de coletar e sistematizar os dados, dada a diversidade de parâmetros e visões. Mesmo assim tem sido um processo de construção coletivo e enriquecedor, segundo a agente da Comissão Pastoral da Terra. Ao longo do encontro virtual, Carmelo Peralta da CIPCA, da Bolívia, Gilson Rego, Articulador da CPT da Amazônia brasileira, Olga Lucía, da Asociación Minga, da Colômbia e Luis A. Hallazí, do Instituto del Bien Común, no Perú, foram apresentando a realidade de cada um dos países e como foi desenvolvido o trabalho de elaboração do Atlas. Tudo isso, foi analisado em conjunto por Patrícia Chaves, da Universidade Federal do Amapá.

Podemos ficar com as palavras recolhidas pelo Atlas nas últimas páginas, que nos mostram tudo o que está atrás dessa publicação: “É preciso avaliar nossas estruturas sociais e confrontar suas contradições. Este Atlas pretende mostrar o habitual chão dessas questões, no qual parte das sociedades do nosso tempo vive em guerra constante para manterem suas vidas e uma outra parte transforma vida em lucro. Por essas questões, as palavras de Madre Teresa de Calcutá, rememoradas por Aleida Guevara em seu discurso de abertura da Conferência Nacional da Terra e da Água no Brasil em 2017, continuam atuais para refletirmos sobre a realidade dos povos do campo na Amazônia: “a vida é a vida de defendê-la”. Que este Atlas possa ser utilizado como um instrumento de denúncia e de defesa dessas populações”.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

Temas: Biodiversidad, Privatización de la naturaleza y la vida, Pueblos indígenas

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