Defensor de agrotóxicos representará Brasil em cúpula da ONU sobre alimentação

Idioma Portugués
País Brasil

O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Sérgio Luis Bortolozzo, dono de terras e produtor de soja no Piauí, recebeu um convite oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) para integrar o Champions Network for the Food System Summit. O grupo, que está preparando o debate para a Cúpula de Sistemas Alimentares 2021, é geralmente composto por pessoas com histórico de atuação no combate à fome e na defesa do ambiente e dos direitos humanos; não por ruralistas.

Em documento assinado pela enviada especial da Secretaria Geral da ONU, Agnes Kalibata, a organização destaca que o convite levou em conta a “vasta experiência, a liderança e o envolvimento na transformação de nossos sistemas alimentares”, particularmente na Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), que ele presidiu por seis anos, na SRB e em outras instituições.

São “champions”, por exemplo, o agrônomo José Graziano da Silva, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e diretor do Instituto Fome Zero, o professor João Bosco Monte, presidente do Instituto Brasil África (Ibraf), e João Campari, líder global para a prática de alimentos do World Wide Fund for Nature (WWF). Todos possuem atuação destacada na área.

O convite ao sojeiro acende o alerta de que o espaço, voltado a discutir e propor a construção de sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis e equitativos, possa ser instrumentalizado pelo governo Jair Bolsonaro, um declarado parceiro do agronegócio e inimigo dos povos do campo.

Os líderes participam de reuniões quinzenais organizadas pelo grupo. À SRB, Bortolozzo disse que quer mostrar as “boas práticas sustentáveis que o agronegócio brasileiro já adota e vem defendendo cada vez mais”, não apenas do ponto de vista ambiental, mas também social e econômico.

PARA SOJEIRO, VENENO QUE CAUSOU ABORTOS É ‘NECESSIDADE’

Sérgio Luis Bortolozzo é natural de Araraquara (SP), mas possui terras em Uruçuí, parte da região do Cerrado nordestino que tem sofrido o avanço da monocultura da soja nos últimos anos. O município de 20 mil habitantes, a 459 quilômetros de Teresina, foi destaque em reportagem de Nayara Felizardo em The Intercept Brasil. Ela denunciou, em setembro de 2018, os efeitos do agrotóxico glifosato, usado em plantações de soja como as da Fazenda Canel, administrada pelas famílias Bortolozzo e Segnini.

O mesmo veneno que garante a riqueza dos fazendeiros provoca uma epidemia de intoxicação, com reflexo severo em mães e bebês: “Estima-se que uma em cada quatro grávidas da cidade tenha sofrido aborto (de forma involuntária), que 14% dos bebês nasçam com baixo peso (quase o dobro da média nacional) e que 83% das mães tenham o leite materno contaminado”. Os dados são de um levantamento do sanitarista Inácio Pereira Lima, que investigou as intoxicações em Uruçuí na sua dissertação de mestrado em Saúde da Mulher, pela Universidade Federal do Piauí.

Uruçuí tem sofrido com o avanço da monocultura da soja. (Foto: Divulgação/Prefeitura)

Em junho de 2019, Sérgio Bortolozzo foi um dos convidados de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), que debateu justamente o uso indiscriminado dos venenos no estado, em especial na região de Uruçuí. Na ocasião, ele disse que a utilização dos produtos é uma “necessidade”, para melhorar a produção agrícola, da mesma forma que uma pessoa deve tomar medicamentos quando precisa. Para o sojeiro, a proibição não é recomendada porque pode reduzir a produção agrícola e causar desemprego.

Não foi a primeira vez que o nome de Bortolozzo esteve relacionado aos malefícios do glifosato e de outros produtos químicos. Em 2013, quando uma espécie de lagarta ameaçava destruir as plantações, o então vice-presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Piauí (Faepi) defendeu a aplicação do inseticida benzonato de emamectina. “Essa proibição em outros estados é porque o Ministério da Saúde e a Anvisa ainda não estudaram o produto, mas aqui utilizaremos com todos os cuidados e testes possíveis”, afirmou, ao G1.

O fazendeiro voltou a ocupar a vice-presidência da Faepi em 2019, para um mandato que se encerra em 2023. A federação integra a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e é presidida pelo deputado federal Júlio Cesar (PSD-PI), um dos 257 membros da  Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face mais organizada da bancada ruralista no Congresso.

‘ENDEREÇO DA BUNGE NO ESTADO ERA NA NOSSA FAZENDA’

Além de soja, a  Canel Central Agrícola Nova Era Ltda, de propriedade de José Roberto, Sérgio Luís e Amilton Bortolozzo, produz, em seus 60 mil hectares, milho e algodão. Também atua nas áreas de mineração de calcário agrícola, reflorestamento de eucalipto e construção civil.

A empresa declara um faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 20 milhões por ano e um quadro que varia de 100 a 150 funcionários. Sérgio Luís é dono ainda da Agropecuária Lavoro, da Piauí Tratores e Comércio e Representações e de outros terrenos em Teresina, Uruçuí, Boa Esperança do Sul, Antônio Almeida, Jurumenha e Formosa (GO).

Parte significativa da safra da Canel é vendida para a Bunge. Numa entrevista à revista A Granja, o produtor destacou a “parceria forte” com a multinacional estadunidense, que em 2003 construiu uma esmagadora em Uruçuí. “Por um longo período, durante a implantação da fábrica, o endereço da Bunge no estado era na nossa fazenda”, comentou, aos risos. “Eles precisavam de uma pessoa jurídica e colocaram o endereço lá. Era uma relação plena de confiança, muito próxima”.

A gigante do agronegócio, atualmente maior exportadora do país, é notícia frequente neste observatório. Em março, uma reportagem mostrou que no ano passado o Cerrado perdeu  734.010 hectares de sua vegetação nativa, área quatro vezes maior que a Grande São Paulo. A soja foi o principal produto a devastar o bioma. Bunge e Casino estão em primeiro lugar nas cadeias comerciais da devastação, que cresceu 13,7% em um ano.

EMPRESAS ESTAVAM NA LISTA DAS 50 MAIORES DEVEDORAS DA UNIÃO

Desbravadores “de um horizonte” para quem, contra quem? (Imagem: Reprodução)

Tanto a Canel como a Agropecuária Lavoro estavam em 2017 na lista dos cinquenta maiores devedores da Fazenda Nacional no município, inscritos na Dívida Ativa da União. A informação da Procuradoria-Geral da Fazenda Pública Nacional (PGFN) foi divulgada pelo G1. A Canel aparecia na sétima colocação, com R$ 3.498.162,21; a Lavoro na 16ª, com R$ 804.441,30. Hoje, apenas a Lavoro consta no site PGFN, com uma dívida de R$ 581.011,31.

De acordo com informativo do Sindicato Rural de Araraquara, o sojicultor deixou o interior paulista em 1987 e, ao lado dos irmãos, construiu um verdadeiro “império” do agronegócio em Uruçuí. Na época, o baixo preço das terras atraía fazendeiros e especuladores do Sul e do Sudeste, retratados depois como supostos “desbravadores”.

Em 2006, a empresa fundada pelos Bortolozzo recebeu o prêmio “Destaque Bunge Agricultor Brasileiro”, concedido pela multinacional. O panfleto narra ainda um episódio mais recente, de 2013, no qual a pista de pouso da Fazenda Canel “nunca esteve tão movimentada”:

— Quinze jatinhos e bimotores pousaram em meio à lavoura de soja, com dezenas de convidados. Entre eles estavam caciques, políticos do estado como os senadores Hugo Napoleão e Freitas Neto, e fazendeiros das cercanias. Sob o sol forte, degustaram um boi inteiro assado no rolete, à moda gaúcha. A fartura combinou com o motivo da festa: comemoravam a safra recorde de grãos que foi colhida no Piauí.

Fonte: Del Olho Nos Ruralistas

Temas: Agrotóxicos

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