Brasil: Tecnologia genética de restrição de uso: até onde vai a proibição legal?
A Lei de Biossegurança dispõe em seu artigo 6º caput que fica proibido a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso. Para bem compreender o que efetivamente o legislador pretendeu proibir, necessário se faz delimitar os conceitos das expressões tecnologia de restrição do uso e estrutura reprodutiva de plantas
A Lei 11.105/05, Lei de Biossegurança, dispõe em seu artigo 6º caput, inciso VII e parágrafo único, que fica proibido a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso, definida como qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
Para bem compreender o que efetivamente o legislador pretendeu proibir, necessário se faz delimitar os conceitos das expressões tecnologia de restrição do uso e estrutura reprodutiva de plantas. que trata a Lei 11.105/05. Outro conceito cuja clareza é de fundamental relevância para a interpretação do dispositivo legal em análise, é o de estrutura reprodutiva de plantas, somente com a definição clara dos conceitos das expressões citadas, o hermeneuta poderá realizar um estudo conclusivo a respeito do âmbito de aplicação da norma.
As Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso ou GURTs (sigla em inglês para Genetic use restriction technologies), são identificadas pelas siglas V-GURTs (Variety genetic use restriction technologies) ou TPS (Technology protection system), e T-GURT. (Traid variety genetic use restriction technologies).
A tecnologia V-GURT, também conhecida como Sistema de Proteção de Tecnologia - TPS, cuja letra V que antecede a sigla GURT surge da abreviação da palavra variety (variedade), é utilizada para desenvolver plantas cujas sementes da 2ª geração são estéreis.
Já a tecnologia T-GURT ou switch technologies (tecnologias de interruptor), cuja letra T vem da abreviação da palavra traits (traços), diferente da tecnologia V-GURT, a semente da planta pode até permanecer viável, mas um ou mais genes que regulam uma determinada expressão são desativados e só são reativados mediante aplicação de determinado produto químico. Esta característica ou expressão pode estar ou não ligada à capacidade de germinação da semente de 2ª geração. Nesse caso, quando a modificação genética não estiver ligada à fertilidade da semente, o agricultor não terá problema em usar grãos guardados de uma safra para o plantio da seguinte. Apenas não terá o benefício da característica introduzida pela modificação genética, que só seria ativada com o uso de determinada substância química.
Assim, no caso da Lei 11.105/05, se considerarmos que dentro do conceito de estrutura reprodutiva de planta encontra a semente, pode-se afirmar que a tecnologia V-GURT e a tecnologia T-GURT, quando a modificação genética puder impedir a fertilidade da semente, correspondem ao objeto da proibição prevista no artigo 6º caput, inciso VII, e seu parágrafo único. Já no caso onde a tecnologia T-GURT não interferir na fertilidade da planta, estará fora do âmbito de aplicação da norma.
Contudo, a conclusão acima não é suficiente para dirimir as dúvidas relacionadas ao âmbito de aplicação do dispositivo legal em análise. Por exemplo: modificar uma planta para que não produza flor seria uma ação de produzir estrutura reprodutiva estéril? Desenvolver e utilizar cana-de-açúcar geneticamente modificada para não florescer, que é uma planta que tem seu plantio realizado por meio de toletes e não por sementes, seria permitido? Desenvolver e utilizar eucalipto geneticamente modificado para não florir, uma vez que pode se reproduzir por meio de clonagem, seria permitido? Caso a resposta formulada na primeira pergunta seja negativa, poder-se-ia até concluir que a proibição não se aplicaria, visto que a planta em questão não teria uma estrutura reprodutiva estéril. Neste caso, a planta simplesmente não teria uma estrutura reprodutiva. Todavia, caso a modificação que impeça a planta de enflorar não o fizer de forma absoluta e permitir o surgimento de alguma flor estéril, a atividade já estaria no campo da ilegalidade.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.964/2005, que modifica o artigo 6º da Lei 11.105/05, e propõe regulamentação menos dogmática a respeito do uso da tecnologia de restrição de uso.
Todavia, dependendo do campo de abrangência do conceito de estrutura reprodutiva de planta, a modificação da norma pode chegar tarde para determinados projetos de pesquisas que estão na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança ˆ CTNBio para análise. Projetos que, em sua maioria, tratam de pesquisas para desenvolver plantas sem capacidade para florescimento.
O artigo 6º, inciso VII, da Lei 11.105/05, impede a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso. Analisando os verbos e a disposição dos mesmos no texto do inciso VII do artigo 6º, resta claro que caso o legislador pretendesse permitir pesquisa utilizando essa tecnolgia, teria redigido o inciso de forma diferente, ou seja, teria afirmado ser proibido a utilização comercial da tecnologia e não a utilização e a comercialização como fez.
Dessa forma, caso a produção de planta que não possua capacidade para florescer, seja considerada uma atividade de criação de estruturas reprodutivas estéreis, a CTNBio não poderá aprovar os projetos de pesquisa.
Porém, mesmo considerando viável a aprovação de pesquisa e comercialização de plantas desenvolvidas para não florescerem, a proibição do uso dessas tecnologias continuará atingindo frontalmente a administração da biossegurança na agricultura molecular, principalmente para plantas biofábricas, modificadas por meio de transformação nuclear ou transformação de plasto, que depende da estrutura reprodutiva para a expressão da proteína desejada. Por exemplo, aquela desenvolvida para expressar a proteína de interesse na semente, seja por constituir um ambiente seguro frente à degradação ou para facilitar o uso, como nos casos das vacinas comestíveis ou alimentos funcionais.
Para estes casos, o uso da tecnologia de restrição de uso representa uma poderosa medida de biossegurança, pois resolve uma das maiores preocupações, que é a mistura dessas sementes geneticamente modificadas com as sementes convencionais. Sem o uso dessa tecnologia, uma semente modificada que for misturada com as convencionais, poderá replicar, o que não ocorreria com a semente estéril.
Considerando o que até aqui foi argumentado, resta claro que o dispositivo da Lei 11.105/05 que regulamenta a matéria, pelo fato de ter sido introduzido de última hora ao texto legal pelo relator do projeto no Senado Federal, não disciplinou a matéria de forma inteligente e, para evitar que ação judicial contestando determinada forma de interpretação e aplicação do dispositivo seja iniciada ou que a biotecnologia no Brasil seja prejudicada de forma desnecessária, deve ser modificado com urgência.
Reginaldo Minaré
Advogado e Diretor Jurídico da ANBio
Enviado por gro.acigolocenoicca@socinegsnarton, Ecuador