Brasil: Sementes crioulas representam luta pelo acesso à terra, diz agricultora
"O modelo agrícola baseado no uso de sementes transgênicas, dessa forma, acaba se tornando insustentável. Os riscos também surgem em relação à diversidade dos alimentos que perdem espaço para o monocultivo, diminuindo a autonomia e sustentabilidade das espécies de grãos. “Enquanto houver essas grandes empresas vendendo esses tipos de sementes, não vamos ter um verdadeiro acesso à terra".
“Esse grão aqui é crioulo, com ele você pode plantar hoje, amanhã, ano que vem, não tem fim. Ter como replantar a partir de sua própria produção é muito importante para toda a humanidade”, diz Vanda Monteiro, 32 anos, que desenvolve o cultivo de milho, feijão e hortaliças no assentamento Professor Luiz David de Macedo, no Vale do Ribeira, em São Paulo.
Uma das principais lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é pelo direito do uso de grãos e sementes. Atualmente, a maior parte da produção destas ficam na mão de grandes companhias do setor de agronegócio como Bayer, Monsanto e Syngenta.
O problema é que, além do preço inacessível a pequenos produtores, os grãos comercializados por essas empresas são transgênicos, ou seja, modificados em laboratório.
Transgênicos:
Chamados de grãos híbridos, essas sementes servem apenas para um plantio. O grão que nasce dessa produção é infértil e, se replantado, não gera plantação posterior à safra atual. É como se o grão tivesse um "prazo de validade definido".
As grandes corporações detêm os direitos sobre o código genético dessas sementes. Isso prejudica a produção de pequenos produtores que ficam a mercê desse mercado, uma vez que sementes híbridas também podem contaminar a produção da lavoura orgânica.
Vanda comenta que morou por três anos na beira da estrada BR-116. “Foi uma luta muito difícil, no começo a gente plantava só o que comia, porque não tínhamos espaços, mas hoje, graças a Deus, já temos nossa produção e atendemos a região comercialmente”, conta.
A agricultora diz ainda que umas das preocupações de todos os produtores no assentamento é a produção de alimentos agroecológicos, e isso depende do acesso a grãos que não sejam transgênicos. “A semente híbrida é cara e a gente acaba ficando dependente dela para produzir em grande quantidade. A gente precisa usar o crioulo, que é natural, livre de alterações e não faz mal para a saúde”, disse Vanda.
O uso de sementes crioulas traz ainda benefícios diretos para o meio ambiente, pois mantêm a biodiversidade local, uma vez que são adaptadas às características do espaço em que são nativas.
Insustentável:
Segundo dados levantados em 2017 pelo Serviço Internacional de Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA), o Brasil é o segundo país que mais produz alimentos geneticamente modificados. O principal produto atualmente é a soja, cuja a patente está nas mãos de menos de 2% do mercado –e, ainda assim, trata-se de empresas de capital estrangeiro.
O modelo agrícola baseado no uso de sementes transgênicas, dessa forma, acaba se tornando insustentável. Os riscos também surgem em relação à diversidade dos alimentos que perdem espaço para o monocultivo, diminuindo a autonomia e sustentabilidade das espécies de grãos.
“Enquanto houver essas grandes empresas vendendo esses tipos de sementes, não vamos ter um verdadeiro acesso à terra. É preciso persistir nisso, para seguirmos com a nossa luta” enfatiza Vanda.
- Edição por Diego Sartorato.
- Foto por reprodução Flickr.
Fonte: Brasil de Fato