Brasil: Entidades apresentam projeto de lei para reduzir uso de agrotóxicos
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, comprometeu-se a criar uma comissão para analisar a matéria.
Representantes de várias entidades e movimentos populares lançaram na tarde desta terça-feira (8), na Câmara Federal, em Brasília (DF), uma proposta de projeto de lei (PL) que institui a Política Nacional de Redução no Uso de Agrotóxicos (PNARA). Eles entregaram o documento para um grupo de parlamentares defensores da proposta e fizeram um ato para chamar a atenção da sociedade para os riscos decorrentes do consumo de pesticidas.
“É uma proposta que representa a sociedade civil, os movimentos sociais, as ONGs que cuidam desse tema. (…) Esse material vai ser o nosso instrumento de trabalho político inclusive pra combater os retrocessos que estão sendo propostos no Congresso, com o PL 62299, de autoria do senador Blairo Maggi (PP-MT), atual ministro da Agricultura. Estamos construindo esse outro PL para ser a alternativa das organizações sociais e do povo brasileiro na luta por uma alimentação saudável, sem agrotóxicos”, disse Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, durante coletiva de imprensa.
Atualmente em tramitação na Casa, o PL 62299 flexibiliza a atual Lei dos Agrotóxicos e abre caminho para o consumo crescente dessas substâncias no país. A medida tem recebido fortes críticas de diversos segmentos da sociedade, que alertam para os altos índices de casos de câncer, intoxicação e distúrbios hormonais resultantes do contato direto ou indireto com pesticidas.
Durante a coletiva, as entidades destacaram que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e que, diante do atual contexto legislativo, foi adotado o PNARA como ponto de partida para viabilizar outra proposta na Câmara. O programa foi criado durante o último governo, mas não teve efetividade, e agora é resgatado pela sociedade civil para que seja convertido, na prática, em uma política nacional.
“Ele foi produzido a muitas mãos, pela sociedade civil, mas nunca chegou a ser sancionado e foi engavetado”, lembrou Carla Bueno, que entregou o documento ao deputado Chico Lopes (PCdoB-CE), presidente da Comissão de Legislação Participativa. O colegiado é o responsável pelo recebimento de propostas legislativas formuladas pela sociedade civil.
“Vamos distribuir para um deputado dar o parecer, que eu acredito que seja favorável, e vamos fazer com que seja aprovado no menor espaço de tempo possível. (…) No mais, precisamos tentar convencer os deputados no plenário, pra que a bancada ruralista entenda que eles podem ter a atividade econômica deles, mas isso não pode ser em cima do prejuízo da saúde das pessoas”, declarou o deputado.
A pauta mobilizou diversos parlamentares da oposição nesta terça-feira. “Falar em agrotóxico é falar em veneno. A bancada ruralista é forte, tem cerca de 150, 170 parlamentares nesta Casa, e nós precisamos formar uma frente com a sociedade civil pra trazer esse debate pro parlamento”, disse o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP).
Entre os movimentos sociais que articularam a proposta estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Via Campesina, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).
Saúde e meio ambiente:
Durante o lançamento, os especialistas chamaram a atenção para as diversas facetas do uso dos agrotóxicos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que reúne os sanitaristas do país, demonstrou grande preocupação com o risco de aumento do uso de pesticidas, caso o PL 62299 seja aprovado.
“Recentemente, publicamos um dossiê espelhando todas as consequências do uso abusivo e indiscriminado de agrotóxicos, e elas são muitas. É um problema que afeta a saúde de todos os brasileiros. (…) Esse PL vai no sentido contrário do que está ocorrendo no mundo inteiro, que é fazer um uso racional e restrito desses produtos, quando não a completa eliminação. Essa química tem um impacto no cotidiano das pessoas, na água que tomamos e no ar que respiramos”, explicou Geraldo Lucchese, representante da entidade.
Já o Greenpeace destacou um dos estudos feitos pela entidade no tocante à merenda escolar (veja aqui). “Fizemos testes em alimentos que potencialmente iriam para a merenda de alunos da rede municipal do Rio de Janeiro e constatamos que havia quantidade acima do limite permitido, além do uso de agrotóxicos ilegais. O Congresso tem uma bancada que quer piorar a situação. Existe um pedaço da bancada ruralista que acha que os pobres têm que comer com agrotóxico. Isso é um absurdo. Ninguém tem que comer alimentos com agrotóxicos”, afirmou o coordenador da Campanha de Agricultura da organização, Rodrigo Cruz.
Ele também destacou os impactos dos pesticidas nos recursos naturais. “Além de ser o maior consumidor do mundo, o Brasil tem os agrotóxicos como segunda maior causa de poluição dos nossos rios e mananciais. Esses dados já confirmam o tamanho do problema. O Brasil hoje é o lixo do mundo em relação aos agrotóxicos. É preciso reverter isso”, defendeu Cruz.
Ele também ressaltou que uma pesquisa encomendada pelo Greenpeace identificou que mais de 80% dos brasileiros consideram que o país aplica químicos em excesso nas plantações. “Se a opinião pública é contra, por que esta Casa será a favor?”, questionou.
Trabalho:
Outro aspecto levantado pelos movimentos e instituições que buscam a redução do uso de pesticidas no Brasil é a questão da saúde dos trabalhadores que atuam na cadeia produtiva, desde o plantio até a comercialização dos químicos.
“O veneno está na mesa, e o Ministério Público sabe disso. Nós sabemos que o veneno está no campo, no ambiente de trabalho, e produzindo um custo social e previdenciário muito alto, com altos índices de enfermidades nos trabalhadores. Isso é muito preocupante”, disse o procurador regional do Trabalho no Distrito Federal, Pedro Serafim.
Presidência:
Após a coletiva, entidades e parlamentares que apoiam a proposta dos movimentos foram recebidos pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se comprometeu a criar um colegiado para avaliar a matéria.
“Vamos trabalhar para criar uma comissão especial, para que a gente faça esse debate num ambiente exclusivo para discutir o tema, que é urgente na vida das famílias brasileiras”, afirmou o democrata, demonstrando simpatia pelo projeto.
Entre os parlamentares que participaram do encontro estavam os deputados João Daniel (PT-SE), Nilto Tatto (PT-SP), Afonso Florence (PT-BA), Patrus Ananias (PT-MG) e Ivan Valente (PSOL-SP).
- Edição por Camila Rodrigues da Silva
Fonte: Brasil de Fato