Brasil: Câmara pode abrir caminho para patenteamento da biodiversidade

Na semana que passou, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei 4.961/2005, que tem como objetivo permitir o patenteamento de substâncias e materiais biológicos (moléculas, genes, proteínas etc.) “obtidos, extraídos ou isolados da natureza”.

Acordos internacionais e também a lei brasileira de patentes proíbem essas atividades, que devem ser entendidas como apropriação privada da Natureza. O PL é de autoria do Deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP) e teve parecer favorável do relator Germano Bonow (DEM/RS).

Os parlamentares argumentam que a medida é necessária para atrair investimentos e assegurar o avanço tecnológico na área da prospecção da rica biodiversidade do País. Acontece que a lei em vigor já garante o uso comercial de processos ou produtos derivados do patrimônio genético brasileiro. O que a lei proíbe, acertadamente, é que isso seja feito sob a proteção de monopólios.

Na prática, hoje as patentes são concedidas quanto o requerente demonstra que sua invenção se encaixa nos critérios de “novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”. Ao mesmo tempo, não se considera invenção “o todo ou a parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados”. O que faz a proposta é mudar o entendimento que se tem sobre os conceitos de descoberta e invenção a fim de liberar o patentamento de meras descobertas.

Um composto químico extraído de uma planta é uma descoberta, e não uma invenção. O produto já existia na natureza. Já as técnica para isolar e extrair tais moléculas são invenções, passíveis, portanto, de proteção patentária. O mesmo vale para os genes. Uma sequência genética de um organismo qualquer pode ser descoberta, mas não inventada. O método usado para descrevê-la é uma invenção.

Ainda que um pesquisador ou empresa quisesse patentear essa sequência “inventada”, seria necessário demonstrar que se trata de uma “novidade”. Ou seja, que nenhum outro organismo vivo possui código genético igual.

Diante da impossibilidade dessa tarefa, é mais fácil mudar as regras do jogo. A indústria biotecnológica-química-farmacêutica está de olho na megadiversidade brasileira. Uma molécula extraída da natureza e que virou propriedade de uma Roche ou Monsanto, não poderia ser utilizada por terceiros para o desenvolvimento de um novo fármaco, por exemplo, a não ser mediante pagamento de licenças. Ou seja, colhe-se maiores restrições à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Isso mostra que o resultado da manobra é o oposto do que alegam seus defensores.

Não custa lembrar nossa Constituição Federal, que define o meio ambiente (incluindo o patrimônio genético) como bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Sua titularidade é difusa porque não pertence a ninguém em especial, mas cada um pode e deve promover sua defesa para benefício de toda a coletividade.

O PL havia sido arquivado em 2005, mas foi retomado nesta legislatura por iniciativa do próprio deputado Thame. Antes de ser votado em plenário, deve ainda ser analisado pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e Constituição e Justiça e de Cidadania. Mas antes disso, para benefício de toda a coletividade, esperamos que novamente a matéria seja retirada de pauta e arquivada.

Boletim por um Brasil Livre de Transgênicos

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