Brasil: troca-troca de transgênico aumenta pragas resistentes e uso de agrotóxicos

Idioma Portugués
País Brasil

“De um discurso pelo desenvolvimento sustentável, vemos agora uma posição bastante conservadora, buscando agradar multinacionais de sementes e interesses comerciais”, critica Fábio Dal Soglio*, ao comentar a reintrodução das sementes transgênicas no Programa Troca-Troca de Sementes de Milho para a safra 2013-2014.

3 de maio de 2013

 Da IHU On-Line

 

Para ele, a medida impede a autonomia dos agricultores e desconsidera os argumentos “apresentados ao governo do Rio Grande do Sul, que apontam evidentes problemas ambientais e sociais, assim como problemas agronômicos, associados ao uso de variedades transgênicas de milho”.
 
 A liberação do troca-troca de sementes transgênicas de milho impacta a produção da agricultura familiar ao gerar “dependência e incapacidade” de as comunidades serem donas de suas sementes e gerenciar o ambiente de forma sustentável, aponta o agrônomo.

 

“Se o estado pretende ser autossuficiente na produção de milho, a estratégia deveria ampliar a autonomia dos pequenos agricultores e investir em tecnologias produtivas e sustentáveis, que são o foco da agroecologia. Se todos os agricultores conseguissem variedades adaptadas aos diferentes meios e condições de clima, se apresentassem boa resistência aos problemas da lavoura e, além disso, se tivessem bons rendimentos, teríamos muito mais milho do que precisamos, e poderíamos até passar a exportar”, adverte em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
 
 Segundo ele, o troca-troca de sementes transgênicas irá ampliar a “perda de diversidade genética nas populações de milho, o que implica em maior dependência e risco, aumenta a possibilidade de seleção de pragas resistentes ao Bacillus thuringiensis, que é de onde foi retirado o gene que promoveria resistência das plantas de milho ao ataque de lagartas, assim como a seleção de plantas espontâneas pelo uso de determinados herbicidas”.

 

E conclui: “Os agricultores devem aumentar ainda mais o uso de agrotóxicos, e muitos terão custos maiores, os quais não podem cobrir com as baixas receitas que, muitas vezes, tiram da agricultura”.
 
 Confira a entrevista:
 
 Em que contexto e por quais razões o governo do Rio Grande do Sul liberou o troca-troca de sementes transgênicas de milho para a safra 2013-2014?
 
 Essa foi uma decisão tirada pelo Conselho Administrativo do Fundo Estadual de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Rurais – Feaper, por pressão especialmente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul – Fetag e da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul – Farsul, que apresentam a adoção de sementes transgênicas como demanda contida no Grito da Terra Brasil, 2013.

 

Ocorre que esse documento é feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, o que não necessariamente é uma representação de todo o conjunto de pequenos agricultores, que são o alvo prioritário do Programa Troca-Troca de sementes do governo do Estado.

 

Entretanto, pela votação dos representantes das agências estaduais que estão no conselho do Feaper, fica visível que foi uma determinação política, o que nos deixou bastante preocupados. De um discurso pelo desenvolvimento sustentável, vemos agora uma posição bastante conservadora, buscando agradar multinacionais de sementes e interesses comerciais, quando poderiam demonstrar não apenas a busca de autonomia para os agricultores, mas especialmente também estarem considerando os argumentos apresentados ao governo do Rio Grande do Sul, que apontam evidentes problemas ambientais e sociais assim como problemas agronômicos, associados ao uso de variedades transgênicas de milho.
 
 Um dos argumentos da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul – Fetag, ao apoiar o troca-troca de sementes transgênicas, é de que o estado poderá ser autossuficiente em produção de grãos. Qual é a participação gaúcha na produção nacional de grãos e como o senhor vê esse argumento?
 
 A produção de milho no Rio Grande do Sul é variável, dependendo do clima e dos preços de mercado, mas em média se situa na faixa entre 5 e 5,5 milhões de toneladas. O consumo do estado também varia, mas está em torno desse valor, podendo chegar a um pouco mais de 6 milhões de toneladas nos anos em que a demanda para alimentação animal, em especial suínos e aves, se encontra em alta.

 

Entretanto, não existe uma ligação direta do uso de variedades transgênicas no troca-troca no sentido de aumento da produtividade de milho por pequenos agricultores. Isso porque muitos desses agricultores não possuem as condições necessárias, nem sempre boas para o ambiente e economicamente viáveis para eles, a fim de alcançar as máximas produtividades que alguns híbridos prometem.
 
 O fato de que muitas variedades de polinização aberta possuem bons potenciais de produtividade, e que são muitas vezes mais adaptadas para áreas menos produtivas e sistemas de produção de baixo uso de insumos, não foi considerado pelo estado e nem pela Fetag ou Farsul.

 

Os agricultores pequenos deveriam ser alvos de uma política que buscasse reduzir a dependência de insumos e ampliar as perspectivas de melhor gerenciamento dos seus sistemas de produção, procurando maior autonomia e menores custos. Mas a decisão vai exatamente na contramão, incentivando uma maior dependência e incapacidade, não fazendo com que as comunidades de agricultores possam ser donas de suas sementes e gerenciar o ambiente de forma sustentável.
 
 Se o estado de fato pretende ser autossuficiente na produção de milho, a estratégia deveria ampliar a autonomia dos pequenos agricultores e investir em tecnologias produtivas e sustentáveis, que são o foco da agroecologia. Se todos os agricultores conseguissem variedades adaptadas aos diferentes meios e condições de clima, se apresentassem boa resistência aos problemas da lavoura e, além disso, se tivessem bons rendimentos, teríamos muito mais milho do que precisamos, e poderíamos até passar a exportar.

 

Mas não passa pela cabeça de algumas lideranças essa possibilidade, pois não conseguem ver além dos argumentos das multinacionais do milho transgênicos, que já foram em boa medida derrubados pelas evidências que encontramos no campo.
 
 Quais as consequências e os impactos imediatos desse processo?
 
 Afora ampliarmos a erosão genética no milho, ou seja, a perda de diversidade genética nas populações de milho, o que implica em maior dependência e risco, aumenta a possibilidade de seleção de pragas resistentes ao Bacillus thuringiensis, que é de onde foi retirado o gene que promoveria resistência das plantas de milho ao ataque de lagartas, assim como a seleção de plantas espontâneas pelo uso de determinados herbicidas.

 

Os agricultores devem aumentar ainda mais o uso de agrotóxicos, e muitos terão custos ainda maiores, e que não podem cobrir com as baixas receitas que, muitas vezes, tiram da agricultura.

 

Além disso, os agricultores que estavam se empenhando em produzir sementes de variedades não transgênicas serão novamente prejudicados em benefício das empresas multinacionais de sementes, e vão procurar outras atividades, reduzindo ainda mais a disponibilidade de sementes tradicionais, locais e crioulas, assim como reduzindo a oportunidade de seleção de variedades adaptadas aos nossos diferentes ambientes, pois não há apoio do governo.
 
 Também temos que considerar os problemas de saúde pública e os problemas ambientais associados à produção e consumo de milho transgênico, assim como a certeza de contaminação das variedades tradicionais, pois os agricultores não tomarão de fato os cuidados necessários para que isso não ocorra e nem o governo será capaz de fiscalizar isso.

 

A contaminação das variedades locais trarão problemas não apenas legais aos agricultores, mas poderão afetar todo o sistema, com reflexos sobre o futuro do milho como um todo, efeitos ambientais não conhecidos, e problemas relativos à segurança e à soberania alimentar.
 
 Como os agricultores se posicionam diante dessa medida?
 
 Toda vez que os agricultores familiares perdem o controle sobre algum insumo, aumentam os custos e seus rendimentos são reduzidos. A agricultura familiar está perdendo sua condição de reprodução social em parte por essas perdas de autonomia, o que tem se refletido sobre o êxodo dos jovens e a pobreza no campo.

 

Por outro lado, vemos em modelos de retomada da busca pela autonomia que existem saídas que não passam pela adoção de tecnologias que se dizem mais produtivas, como a dos transgênicos.

 

Muitas experiências baseadas em adoção de tecnologias agroecológicas, que busca a autonomia e a sustentabilidade da agricultura, mostram que é possível até manter alto nível de produtividade, aliada a aumentos de renda, onde se assiste a um retorno dos jovens. Mas são modelos de baixa dependência de insumos e que não geram lucros para empresas, o que não interessa a muitos grupos, incluindo os que se dizem representantes dos agricultores.
 
 Existem muitos movimentos de agricultores que apontam essa direção como a única possível, mas que precisaria de políticas públicas fortes e coordenadas, o que não está acontecendo. Um exemplo é essa liberação de sementes transgênicas no troca-troca, pois o mesmo estado que diz estar lutando por um desenvolvimento sustentável acaba por apoiar exatamente a tecnologia que está associada à insustentabilidade do desenvolvimento rural.

 

Se o modelo da agricultura chamada moderna fosse de fato sustentável e positivo, não teríamos a crise que temos em todos os seus setores, do ponto de vista social, ambiental e mesmo econômico. A pobreza rural ainda está lá, e muito forte, enquanto destruímos o nosso ambiente, e os jovens abandonam os espaços rurais em busca de uma vida melhor.
 
 Diante do Programa Troca-Troca de Sementes, como fica a distribuição e troca de sementes crioulas?
 
 Não está claro como será a relação do troca-troca em 2013 com o milho crioulo, pois havia em 2012 uma linha especial para essa aquisição. Neste momento não temos essa informação sobre a continuidade ou não dessa opção por parte dos agricultores. Mas acredito que deveriam ser feitos esforços nesse sentido, garantindo que os pequenos agricultores possam optar por diferentes variedades.
 
 Como os ambientalistas se posicionam diante deste Programa? As entidades ambientalistas entrarão na Justiça contra a decisão aprovada no dia 23 de abril?
 
 Não só ambientalistas, mas também militantes de movimentos sociais, pesquisadores e técnicos que trabalham com agroecologia foram surpreendidos pela decisão, que, a nosso ver, foi política e não considerou de fato as questões apontadas sobre os problemas e, em especial, sobre as perspectivas ligadas ao desenvolvimento sustentável do estado. As possibilidades de ação na Justiça estão sendo estudadas com apoio de diferentes grupos estaduais e nacionais. Havendo possibilidade jurídica de se enfrentar essa decisão, isso deverá acontecer.
 
 No entanto, é lamentável que o governador Tarso Genro, assim como os representantes de entidades que estão no Conselho do Feaper, não tenha, antes de tomar uma decisão, buscado ouvir essas entidades e seus argumentos.

 

O Rio Grande do Sul, que apresenta tantas experiências exitosas em produção de base ecológica e sustentável, perdeu mais uma vez a oportunidade de ser melhor, e continua a andar na direção da insustentabilidade, o que será ruim para todos, mas especialmente ruim para nossas futuras gerações, pois o estado não lhes está garantindo as condições necessárias. Estamos abrindo mão da autonomia e da sustentabilidade em benefício de uns poucos, e que geralmente nem estão no estado.
 
 A agricultura precisa de novas lideranças capazes de entender que não vamos melhorar se continuarmos a tratar nossos agricultores e nosso ambiente com uma visão deturpada de agricultura, a qual nos é apresentada por estes grupos econômicos e que, hoje, são hegemônicos, controlando nossas sementes.

 

* Fábio Dal Soglio é graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Fitotecnia pela mesma instituição, e doutor em Fitopatologia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Tem especialização em Melhoramento de Plantas pela Universide de Wageningen, Holanda, e leciona na UFRGS. Foi presidente da Associação Brasileira de Agroecologia de 2004 a 2007, e vice-presidente em 2008 e 2009. É membro da Comissão editorial da ABA-Agroecologia, e entre 2006 e 2007 foi representante da sociedade civil como especialista em agricultura familiar junto à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.

 

Fuente: MST-Brasil

Temas: Agronegocio

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