O risco da destruição de nosso futuro
Está se impondo, em muitos países, como no Brasil, um espírito autoritário e fascistoide que faz da violência física e simbólica e da mentira direta uma forma de governar. A democracia deixou de ser um valor universal e uma forma de viver civilizadamente em comunidade. Este espírito pode provocar um tsunami de guerras regionais de grande destruição.
Em julho de 2021 o grande pensador da complexidade Edgard Morin completou 100 anos. Observador atento do curso do mundo, entregou-nos um livro - Réveillons-nous! – Despertai!, cheio de sábias e severas advertências. Resumiu seu pensamento numa entrevista à Jules de Kiss, publicada em 26 de março de 2022 na Franceinfo e reproduzida em português pelo IHU de 4/4/22. Leitor assíduo de seus escritos, esta entrevista inspirou o presente artigo.
Morin adverte aquilo que venho há muito tempo repetindo: devemos estar atentos, tentar ver e entender o que está ocorrendo. A grande maioria, inclusive chefes de estado, são inconscientes das graves ameaças que pesam sobre o planeta Terra, sobre a vida e o nosso futuro. Parecem sonâmbulos ou zumbis, obcecados pela ideia do crescimento econômico sempre crescente e também de segurança e de construção de mais armas de destruição em massa.
Vivemos sob várias crises, todas elas graves: a mais imediata é a pandemia que afetou todo o planeta, cujo sentido último ainda não foi identificado. Para mim, é um sinal de que a Terra viva enviou aos seus filhos e filhas: ”não podem continuar com a pilhagem sistemática da comunidade de vida na qual se encontram os habitats dos vários vírus que nos últimos anos assolaram regiões do planeta”. Com a Covid-19 foi todo o planeta atingido, não outros seres vivos e domésticos. É um sinal de que seu significado não está sendo percebido pela maioria da humanidade, nem pelos analistas, centrados nas vacinas e nos cuidados necessários. Quem se pergunta pelo contexto em que apareceu o vírus? Ele é consequência do assalto dos seres humanos sobre a natureza, especialmente com o desmatamento de vastas regiões, destruindo a casinha onde habitam os vírus que passaram a outros animais e deles a nós.
Grave é a crise climática, pois, se não cuidarmos, até o ano 2030 o aquecimento pode chegar a 1,5 graus Celsius ou mais, comprometendo a maioria dos organismos vivos e grande parte da humanidade. Junto a isso vem a Sobrecarga da Terra (Earth Oveshoot day) que foi constatada no dia 29 de julho de 2021: o bens e serviços essenciais para a vida estão se esgotando. Já agora precisamos de 1,7 Terra para atender ao tipo de consumo principalmente das classes opulentas. Arranca-se da Terra aquilo que ela já não pode mais dar. Ela reage aumentando o aquecimento, os eventos extremos, a erosão da biodiversidade e mais conflitos sociais.
O que funciona como uma espada de Dámocles é a possibilidade de uma guerra nuclear que pode destruir toda a vida e grande parte da humanidade. Morin escreve: "Penso que entramos em um novo período. Pela primeira vez na história, a humanidade corre o risco de aniquilação, talvez não total – haverá alguns sobreviventes, como em Mad Max –, mas uma espécie de 'reinício' do zero em condições sanitárias sem dúvida terríveis”. A guerra na Ucrânia suscitou este fantasma, pois a Rússia, como já dizia Gorbachev, pode destruir toda a vida com apenas a metade de suas ogivas nucleares. Mas cheio de confiança de que a história anda não foi fechada, Morin afirma esperançoso: ”Precisamos esperar o inesperado para saber como navegar na incerteza”.
É de todos conhecida a erosão das ideias democráticas no mundo inteiro. Está se impondo, em muitos países, como no Brasil, um espírito autoritário e fascistoide que faz da violência física e simbólica e da mentira direta uma forma de governar. A democracia deixou de ser um valor universal e uma forma de viver civilizadamente em comunidade. Este espírito pode provocar um tsunami de guerras regionais de grande destruição.
Não esqueçamos a advertência do Papa Francisco na Fratelli tutti (2020): “estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”. Somos responsáveis pelo nosso futuro e pela vida no planeta. Temos a confiança de Morin de que, como a história tem mostrado, o inesperado e o improvável podem acontecer. Já um pré-socrático nos ensinava: ”se não esperarmos o inesperado, quando ele vier, não o perceberemos”. E assim o perderemos.
Essa é a nossa confiança e esperança: estamos no meio de crises que não precisam terminar em tragédias fatais. Mas podem ser o despertar de uma nova consciência e então, a ocasião para um salto de qualidade rumo a um tipo de convivência pacífica dentro da única Casa Comum. Esse seria o próximo passo para a humanidade? Bem haja!
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos