Mulheres camponesas: trabalho produtivo e engajamento político
"A participação efetiva das mulheres no processo produtivo, desde o início da construção humana do saber e da prática vinculada à agricultura, sempre foi determinante para a garantia da continuidade dos seres humanos tanto na produção da alimentação, como na preservação ambiental, na garantia de renda--comercialização, ou seja, na reprodução da vida. Porém, essa participação ao longo da história foi secundarizada diante da organização social capitalista em que vivemos, que se pauta por uma lógica social enviesada pelos valores que orientam as relações de gênero."
Queremos apresentar a todas/os as/os leitoras/es, às/aos militantes camponesas/ es, interessadas/os e estudiosas/os do campesinato, mas, de forma especial, a todas as mulheres camponesas do Brasil, a presente coletânea, que é um esforço coletivo de intelectuais, pesquisadores e pesquisadoras, militantes das organizações sociais e do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA.
Vivíamos em 2003 um período em que se tentava apagar da história (e do presente) o campesinato. Entretanto, este segmento de produtores, por seu modo de ser e de viver, em expressiva pluralidade de situações e experiências de reprodução social, é um dos principais protagonistas da humanidade, no decorrer do processo histórico. Na atualidade, presta enorme contribuição à experiência humana e sua interdependência com os recursos naturais. Evidenciava- se assim uma profunda contradição: a importância do campesinato não correspondia ao reconhecimento social pelos demais segmentos sociais, inclusive pela escassez de registros de pesquisa e documentários. Percebeu-se que, apesar de haver muitos textos produzidos sobre o campesinato, faltava um certo direcionamento nesses registros que pudesse assegurar visão mais abrangente dessa experiência histórica, considerando a diversidade desse protagonismo pelas diferenças postuladas na divisão sexual de trabalho e ciclo de vida. É fato que, também por estímulo de dirigentes do MPA, a coleção História Social do Campesinato no Brasil, por meio de diversos artigos, procurou diminuir a defasagem no reconhecimento da importância do campesinato no proceso histórico de constituição da humanidade e da sociedade brasileira. Investir no estímulo à produção, mas principalmente na publicação desses artigos, já havia sido um desafio para o MPA. Esse desafio correspondia a demandas da base social desse movimento, que buscava e continua a buscar uma compreensão aprofundada do campesinato brasileiro. O processo de publicação da coleção não se finalizou neste único ato. Ele deu origem a um complexo processo de estudos arduamente desenvolvidos por muitas mãos e cabeças de intelectuais/ pesquisadores, militantes, dirigentes de todo o Brasil que mantêm o debate e se instigam para pesquisa em torno de novos temas e experiências de grupos sociais pouco conhecidos. A coleção História Social do Campesinato, organizada a partir de 2003, primeiramente por iniciativa do Movimento dos Pequenos Agricultores e depois com envolvimento da Via Campesina, trouxe de volta para o cenário nacional o debate sobre o campesinato. Muito ainda está por ser pesquisado e apresentado ao debate público, mas, neste momento, destacamos que, nos primeiros volumes, a ênfase recaiu sobre os produtores como categoría socioeconômica, permanecendo relativamente invisibilizada a especificidade da participação das mulheres camponesas no processo histórico.
A participação efetiva das mulheres no processo produtivo, desde o início da construção humana do saber e da prática vinculada à agricultura, sempre foi determinante para a garantia da continuidade dos seres humanos tanto na produção da alimentação, como na preservação ambiental, na garantia de renda--comercialização, ou seja, na reprodução da vida. Porém, essa participação ao longo da história foi secundarizada diante da organização social capitalista em que vivemos, que se pauta por uma lógica social enviesada pelos valores que orientam as relações de gênero. Essa lógica pode ser então qualificada como machista e patriarcal, visto que ela redimensiona a ação dos homens e apaga a ação das mulheres por reduzir o reconhecimento social ao trabalho doméstico e não produtivo. Por isso, a grande importância que atribuímos a mais este tomo, embora, por questões contratuais e de direitos autorais, ele não esteja incluído na bela obra da História Social do Campesinato, mas corresponda ao mesmo projeto político que deu origem à constituição dessa coleção. Apresentamos então, mesmo que como produção autônoma, este volume dedicado ao estudo de trajetórias das mulheres camponesas no Brasil.
Ao longo dos seus anos de existência e a partir do conjunto de estudos acerca do campesinato, das realidades concretas vividas, das especificidades camponesas e das perspectivas futuras, o Movimento dos Pequenos Agricultores tem a convicção de que a crítica é importante, assim como é imprescindível ter um projeto político claro para o campo, tal como nos propomos pela construção do Plano Camponês, cujo objetivo central é a garantia da produção e reprodução social camponesa. Este projeto político extrapola o campesinato, porque também se orienta pelas necessárias reflexões em torno da produção de alimentos saudáveis para o conjunto do povo brasileiro. Por conseguinte, o Plano Camponês está, com base na aplicação prática, vinculado ao conceito político de Soberania Alimentar. Nesse sentido, trata-se de um projeto político para o campo, que é parte de um projeto popular para o Brasil.
Na construção do Plano Camponês vimos refletindo sobre as diferentes formas de resistências e conquistas que estamos alcançando; vimos analizando os modos de participação nas lutas sociais e do dia a dia, processos nos quais a participação política e prática das mulheres tem sido de fundamental importância. Não há dúvida sobre a imprescindibilidade da atuação feminina para a reprodução social camponesa; mas há a necessidade de retirá-la da invisibilidade social. Dar visibilidade à condição de protagonista assumida pelas mulheres camponesas de todo o Brasil é assumir publicamente a necessidade de libertação do campesinato das práticas, dos costumes e das tradições machistas que, em sendo hegemônicas na sociedade, acabam por oprimir as mulheres e, pela cumplicidade das relações de poder aí em jogo, de certa forma também os homens.
Daí a necessidade de aprofundar o conhecimento para melhorar a ação política das mulheres no campo; para tornar clara a elaboração das necesidades concretas do campesinato; e produzir coletivamente um conjunto de métodos que permitam operar na construção da visibilidade do trabalho de todos os membros da família, tema que deve fazer parte não só da educação familiar, mas também das esferas mais ligadas à produção econômica.
Este é então o sentido que se expressa nesta coletânea que entregamos ao público: dar visibilidade e aprofundar o conhecimento da realidade concreta. Pelos diversos artigos que a integram, queremos destacar as condições de reprodução dos grupos domésticos e da participação das mulheres camponesas, pondo em destaque suas formas de organização e representação política, em muitos deles também pela articulação que autores desenvolveram entre os temas de gênero e campesinato, entres outros aspectos. Nossa iniciativa está longe de estar encerrada. Após a edição e o lançamento daquela coletânea, voltamos ao desafio de construir e publicar mais um volume com as experiências produtivas das mulheres no Plano Camponês, como já afirmado, projeto político do MPA.
O MPA reconhece e agradece profundamente todo o trabalho árduo e voluntário de todas as pessoas, militantes, intelectuais, pesquisadoras envolvidas nesse projeto, na construção desta importante coletânea e, de forma especial, às professoras/pesquisadoras Delma Pessanha Neves e Leonilde Servolo de Medeiros, que não mediram esforços para alcançarmos esse resultado, amplamente compensado por se tratar de um grande passo na construção de uma sociedade na qual as histórias de diversos segmentos sociais sejam igualmente reconhecidas.
Queremos construir um campesinato forte, uma sociedade justa, em que todas as pessoas sejam respeitadas e visibilizadas, por constituírem partes importantes da desejada construção social. Por isso, com essa coletânea que tras ao reconhecimento público a participação das mulheres, nós experimentamos a satisfação de estar contribuindo nessa emancipação histórica das mulheres camponesas.
A todas as mulheres, que avancemos na consciência, no planejamento e na organização das nossas lutas, das nossas conquistas em todas as partes do país e do mundo, porque: Mulheres organizadas, sementes germinadas e a sociedade transformada.
Fevereiro de 2013
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