Luta pela terra incomoda o capital e o Estado

Idioma Portugués
País Brasil

"A luta pela terra, luta por um direito humano fundamental ao acesso à terra, travada pelos Sem Terra é uma luta que interpela o Estado, a classe dominante e o pensamento pedagógico, inclusive, além de outros incômodos que desencadeia", escreve Frei Gilvander Moreira.

A luta pela terra, luta por um direito humano fundamental ao acesso à terra, travada pelos Sem Terra é uma luta que interpela o Estado, a classe dominante e o pensamento pedagógico, inclusive, além de outros incômodos que desencadeia. Nesse sentido, Miguel Arroyo, no livro Outros SujeitosOutras Pedagogias, analisa: “A tomada de consciência dessas populações mantidas por séculos sem direito a ter direitos ao teto, à terra, à saúde, à escola, à igualdade e à cidadania plena se fazem presentes em ações e movimentos, em presenças incômodas que interrogam o Estado, suas políticas agrária, urbana, educacional. Interrogam a docência, o pensamento pedagógico, as práticas de Educação popular e escolar” (ARROYO, 2012, p. 9).

A luta pela terra, travada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e por dezenas de outros movimentos camponeses, incomoda e desestabiliza quem se deleita na ordem estabelecida do capital. Sendo novos e questionadores sujeitos, os Sem Terra incomodam, como analisa Miguel Arroyo, ao se referir aos Sem Terra como Outros: “Outros na agenda política e até pedagógica se tornam extremamente incômodos ao pensamento pedagógico porque o obrigam a se entender inseparável das formas políticas, culturais e de sua produção/conformação como subalternos. Ao reagir a esse ser pensados e feitos subalternos desconstroem as autoidentidades do pensamento pedagógico” (ARROYO, 2012, p. 11).

Integrando o legado de Antônio Gramsci, a categoria subalterno faz referência a um “conjunto diversificado e contraditório de situações servindo para nomear classes com ausência de poder de mando, de poder de decisão, de poder de criação e de direção” (YAZBEK, 1993, p. 18). Pedagogia de emancipação humana não é simplesmente a que promove uma mudança de método, mas a que passa por uma “revolução copernicana”: dos objetos e dos métodos, dos conteúdos e das instituições para os sujeitos. Estes, os sujeitos, serão o sol ao redor do qual os planetas – objetos e métodos – girarão. Entrevemos pedagogia do oprimido, como pedagogia de emancipação humana, no seio da classe camponesa na luta pela terra: pedagogia que persevera em lutas constantes, em movimentos permanentes da opressão à libertação-emancipação.

Luiz Américo Araújo Vargas, na tese na área de Educação “Por uma pedagogia da luta e da resistência: a educação como estratégia política no MST”, na UFRJ, em 2012, faz referência à emancipação humana diversas vezes. Por exemplo, ele aponta a necessidade de emancipação humana, no entanto analisa que a ideologia do desenvolvimento sustentável adia a possível emancipação humana (VARGAS, 2012, p. 6). Vargas afirma também que “o MST, ao assumir a luta contra um de seus inimigos reconhecidos, o agronegócio, engendra condições para produzir uma cultura renovada e, com ela, um processo educativo que pensa a emancipação de toda a humanidade” (VARGAS, 2012, p. 8).

Ao se referir a um Encontro de Sem Terrinha  [1], em 2007, Vargas postula a “construção de uma proposta educacional coerente com a formação de sujeitos históricos em luta pela emancipação de sua classe (VARGAS, 2012, p. 22) e nota que “os sujeitos sociais em luta coletiva e algumas de suas práticas plasmam outros sentidos e outros caminhos, cuja potência de emancipação é difícil de prever, mas de cujo desenvolvimento gesta uma práxis que se refaz na luta e na disputa por hegemonia” (VARGAS, 2012, p. 28). Vargas constata ainda que “palavras-categorias, tais como classes, lutas de classes, trabalho, ideologias, emancipação e socialismo, muito difundidas, têm sido pouco apreendidas e muito combatidas” (VARGAS, 2012, p. 103) e advoga também que uma “educação, tomada como estratégia política, possa contribuir no processo de emancipação dos sujeitos em luta pela transformação da sociedade de classe capitalista” (VARGAS, 2012, p. 105).

Sob a égide do sistema do capital “os progressos e avanços culturais e tecnocientíficos acumulados historicamente pela humanidade pouco ou nada têm servido à emancipação humana (VARGAS, 2012, p. 110). Sob o capitalismo contemporâneo, “a lógica da mercantilização circunscreve as dimensões da vida ao lucro e não à emancipação humana (VARGAS, 2012, p. 119). Vargas postula a necessidade da construção de conhecimento como crítica permanente da História que possa contribuir com o agir humano no processo de emancipação (Cf. VARGAS, 2012, p. 121) e entende que “um projeto de emancipação humana que sustenta a educação como uma dimensão da estratégia política de superação das relações sociais capitalistas precisa superar as práticas educacionais reprodutoras da ideologia que naturaliza essas relações” (VARGAS, 2012, p. 131 e 132). Vargas conclui que é pela práxis de educandos e educadores, na luta enquanto Sem Terra do MST, que a emancipação humana poderá se dar. “A educação tomada como estratégia política nas lutas dos explorados por sua emancipação reivindica a práxis de educandos e educadores” (VARGAS, 2012, p. 133).

Alexandre Barbosa, na tese na área de Comunicação “A Comunicação do MST: uma ação política contra-hegemônica”, de 2013, na USP, faz referência duas vezes à categoria emancipação dos trabalhadores. Ele indica que “as ações do MST, tanto no campo das lutas populares, como no campo da Comunicação [...] sejam elemento que catalise as ações de emancipação das classes populares (BARBOSA, 2013, p. 23) e constata que “as propostas de assentamento oferecidas ao longo da História não contemplavam a emancipação dos trabalhadores, pelo contrário, aumentavam a dependência em relação ao capital” (BARBOSA, 2013, p. 26).

Pela pesquisa de Vargas fica patente a necessidade de que a pedagogia do MST seja de fato de luta e de resistência para poder empreender processo de emancipação humana. Pela perspectiva da comunicação, Barbosa afirma a necessidade de emancipação dos trabalhadores camponeses e vê nas ações do MST um catalisador de processo emancipatório.

Para além de uma pedagogia da luta e da resistência focando a educação como estratégia política e a comunicação como ação política contra-hegemônica ensejando processos emancipatórios – para além de incluir, buscar superar -, buscamos compreender que tipo de luta pela terra pode se tornar de fato processo de emancipação humana, social, econômica, política, cultural, religiosa e, necessariamente, sustentabilidade ecológica. Enfim, a luta pela terra, se realizada de forma emancipatória, incomoda e desestabiliza o capital e o Estado.

Frei Gilvander é padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

Referências:

[1] “A categoria Sem Terrinha como referência às crianças que estão na luta pela terra nos acampamentos e nos assentamentos foi ‘cunhada’ pelas próprias crianças do MST no Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra de São Paulo em 1997” (RAMOS apud CALDART, 2012: 306).

ARROYO, Miguel. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012.

BARBOSA, Alexandre. A Comunicação do MST: uma ação política contra-hegemônica. São Paulo: USP, 2013. Disponível  aqui.

VARGAS, Luiz Américo Araújo. Por uma pedagogia da luta e da resistência: a educação como estratégia política no MST. Tese (Doutorado em Educação). Rio de Janeiro, UFRJ, 2012. Disponível  aqui.

YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

Temas: Movimientos campesinos, Tierra, territorio y bienes comunes

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