Iala Amazônico é um marco de resistência contra o capital, aponta dirigente Sem Terra

Idioma Portugués
País Brasil

Em entrevista, Ayala Ferreira, do MST, diz que a escola se insere em várias lutas por meio da agroecologia. “Temos como alvo os territórios camponeses, os territórios de Reforma Agrária, como um espaço de formação, interação, de diálogo, mas também como um instrumento que dialoga com outras bandeiras construídas pelos vários sujeitos que lutam e resistem nessa região.” 

Após quase dez anos de implantação do Instituto de Agroecologia Latino Americano (IALA) Amazônico, a coordenadora pedagógica e integrante da Coordenação Nacional do MST, Ayala Ferreira, aponta os importantes impactos dessa experiência educativa no território complexo do campesinato, que se encontra em constante disputa no bioma amazônico.

O Instituto está localizado no Assentamentos Palmares 2, no município de Parauapebas- à 27 quilômetros da cidade-, no estado do Pará.

Além de atuar no fomento e consolidação de conhecimentos, bem como na implantação de experiências tecnológicas para a consolidação da Reforma Agrária Popular e massificação da Agroecologia, Ayala aponta que a escola se insere em vários processos de luta e resistência dos povos amazônicos.  

“Temos como alvo os territórios camponeses, os territórios de Reforma Agrária, como um espaço de formação, interação, de diálogo, mas também como um instrumento que dialoga com outras bandeiras construídas pelos vários sujeitos que lutam e resistem nessa região”, explica.

Hoje o Instituto oferece cursos de pós-graduação em agroecologia. Foto: Divulgação MST

Confira na íntegra:

Como se desenvolve o processo de formação do Iala no Pará?

O Instituto de Agroecologia Latino Americano (IALA) Amazônico se insere na estratégia da Via Campesina da América do Sul, em construir escolas e institutos de Agroecologia para fomentar um movimento agroecológico em várias realidades e biomas da nossa América do Sul. A proposta é garantir práticas agroecológicas e processos de formação dos sujeitos que vivem e resistem às várias realidades, no campo, nas diversas regiões, inclusive da Amazônia. 

No Pará, começamos as primeiras discussões, ainda em 2008 e, em 2009, lançamos a pedra fundamental dentro de um território camponês, vinculado ao MST. No Assentamento Palmares 2, em uma área de 25 hectares, cedida pelas famílias do assentamento para construção da escola. 

As nossas atividades formativas se materializaram no início de 2011, através de uma parceria instituída com professores nesse nosso campo de articulação, de implementação de atividades formativas no âmbito da educação do campo. Começamos com a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Essa parceria se estabeleceu na implementação de cursos de pós-graduação, como de especialização, que foi possível naquele momento, pela possibilidade de articulação, financiamento e mobilização de professores. 

Hoje o Instituto oferece cursos de pós-graduação em agroecologia. Foto: Divulgação MST

Ao final de dois anos implementamos uma segunda turma, com o mesmo caráter, de formação de sujeito dessa grande região Pan Amazônica. Entre os estados que compõe a região Amazônica temos alguns países como a Venezuela, Colômbia, o Equador e Peru, com o mesmo bioma Amazônico e características étnico-culturais parecidas. Mesmo com as diferenças linguísticas, os inimigos são muito comuns, com interesses em se apropriar dos bens da natureza abundantes na região.

O esforço foi de construir cursos que tivéssemos a liberdade político-pedagógica, como os cursos de pós-graduação para esse público. Pela sua especificidade amazônica, mas também pela formação, nos processos de luta e resistência, em defesa da diversidade. Para que esses sujeitos, filhos e filhas das florestas, das águas e das terras pudessem se expressar. 

Em parcerias com universidades construímos cursos de pós-graduação, como a especialização, em questão agrária, educação do campo e na agroecologia. Mesclando debates entre teoria e na prática de experimentação no espaço físico do Iala e no entorno. Formado por muitos projetos de assentamentos e territórios camponeses. 

Criamos atividades e cursos livres, como estágios de vivências, trabalhos de campo e pesquisas no território camponês, com o enfoque na Agroecologia. A ideia era aprofundar temas teóricos e aproximar esse aprendizado teórica da universidade, com a realidade complexa e diversa do campesinato, no entorno do Iala. Mas também, envolvendo estudantes de outras instituições presentes nessa região, como o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), campus rural, e a própria Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), com um campus no município de Parauapebas, próximo ao Assentamento Palmares. 

Uma terceira dimensão da nossa prática concreta diz respeito às próprias experimentações que desenvolvemos no espaço físico do Iala, com pequenas iniciativas, para que o campesinato pudesse ter contato e perceber que a prática desenvolvida no Iala, pode ser implementada na sua pequena parcela rural ou na sua comunidade.

Cartaz de divulgação

Qual a proposta do Iala Amazônico?

A proposta política pedagógica do Iala Amazônico é problematizar a teoria num processo concreto da realidade territorial e de reprodução dos camponeses. Todas as nossas atividades formativas têm essa vivência concreta, na implementação de alguma prática agroecológica em determinado território. 

Buscamos compartilhar experimentações que os sujeitos do campesinato têm reproduzido historicamente, numa região tão diversa, como a Amazônica. Algumas dessas experiências fomos conhecer, aprofundar e contribuir na sistematização. 

Qual o balanço da escola? Quantas turmas foram concluídas e educandos formados?

Tivemos duas turmas de especialização, em questão agrária, educação do campo e agroecologia no bioma amazônico, que formou em média 90 estudantes -  militantes de organizações camponesas da Via Campesina, de vários estados: Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, de outros países, como a Colômbia e Equador.

Outra iniciativa, em parceria com a universidade que foi o curso de teoria geral sobre o campesinato na Amazônia, com uma turma de 60 educandos, também de vários estados do bioma amazônico: Pará, Maranhão, Tocantins, Rondônia, Acre e Amazonas. 

Também houve vários cursos de curta duração, com enfoque no campesinato e em práticas de agroecologia. A média de público é de 25 pessoas. Como parte da proposta pedagógica, realizamos também seminários temáticos e visitas de campo, em parceria com as instituições de ensino próximas do Iala, como cursos de agronomia, zootecnia e educação do campo. Em média, ao longo do funcionamento da escola, alcançamos mais de 1.300 sujeitos que participaram de atividades e processos formativos.

Qual o papel do Iala na formação das famílias Sem Terra e comunidade do campo na região Amazônica?

O Iala é um espaço de convergência, que oportunize os sujeitos a se integrarem e trocarem experiências das diferentes realidades. Ou seja, convergirem em elementos e princípios comuns do que é ser campesinato no bioma amazônico – composto por vários estados do Brasil, vários países e várias formas de reproduzir no campo-.

A escola também é um instrumento de resistência em uma região pautada por uma lógica de desenvolvimento que não considera a diversidade de sujeitos e de práticas de reprodução desses sujeitos num campo de disputa. Atuamos na resistência ao avanço do agronegócio, da mineração e dos grandes projetos implementados pelos governos, que não consideram as formas de ocupação e reprodução dos sujeitos que vivem nessa região. 

O Iala, assim como os territórios camponeses nessa região, são marcos da resistência a um avanço de um projeto hegemônico de consolidação do capital, numa região tão diversa como é a Amazônica. 

Como funciona a aplicação e o compartilhamento dos conhecimentos nas comunidades próximas? 

Temos experiências desenvolvidas no Assentamento Palmares 2, nas escolas de educação básica e na agrovila do assentamento. Nesse local fizemos um trabalho em parceria com a Escola Salete Moreno de Educação Infantil, a partir da experiência de implantação de horta mandala. Trabalhamos com a interdisciplinaridade para o envolvimento da infância nesse espaço de experimentação da horta e com formas de envolver as crianças, desde a primeira idade, para visualizar no espaço da escola aquilo que eles vivenciam e praticam no seu território camponês. 

Outra prática se realizou no acampamento Frei Henry, no município de Curionópolis. Nesse espaço trabalhamos o resgate dos processos de resistência em uma comunidade ainda em disputa, contra um latifúndio muito bem estruturado, dessa região. Colaboramos na implantação da estratégia de produção agrícola, buscando construir uma outra narrativa para mostrar que ‘nós lutamos contra o latifúndio, por esse projeto de vida. Que significa ter muitas pessoas no campo com uma pequena parcela de terra, produzindo alimentos que vão abastecer os mercados locais e comunidades locais’. Antes da nossa existência no local, existia somente pastagem e gado, fornecido para um grande frigorífico da região e pra exportação. O que ficava para região? Nada! Apenas o impacto ambiental do uso intensivo da pecuária. 

Qual a importância da escola para a Reforma Agrária e o desenvolvimento regional da Amazônia?

É um instrumento que fortalece a luta pela Reforma Agrária porque tem como alvo os territórios camponeses, os territórios de Reforma Agrária, como um espaço de formação, interação, de diálogo, mas também como um instrumento que dialoga com outras bandeiras construídas pelos vários sujeitos que lutam e resistem nessa região. 
O Iala incorpora no seu projeto pedagógico princípios da educação do campo, buscando instrumentalizar os camponeses da região. Identificamos e fortalecemos a luta das comunidades ribeirinhas ou dos atingidos pelos grandes projetos hidrelétricos nessa região, que é uma característica muito forte do avanço do capital. Nos identificamos com os povos das águas, os povos tradicionais e indígenas. Temos uma importância não só numa luta dos sujeitos Sem Terra, mas também somos parte de outras lutas que se consolidaram nessa região, em defesa das águas, da floresta e dos territórios de forma geral.

Por Solange EngelmannEditado por Wesley Lima
Da Página do MST 
23 de novembro de 2018 

Fonte: MST

Temas: Agroecología, Comunicación y Educación, Movimientos campesinos

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