IV Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional: carta da cidade de São Paulo
Os participantes do IV Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado nos dias 21 a 23 de Julho de 2003, na cidade de S. Paulo, representando entidades e fóruns de 17 estados de todas as regiões do Brasil, vêm declarar o que segue
1. Reafirmamos nosso apoio à prioridade conferida pelo Governo Brasileiro à promoção da segurança alimentar e nutricional e à erradicação da fome no país, para cuja materialização o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN) ofereceu sua contribuição desde os primeiros momentos do novo governo, encaminhando sugestões para a implementação do Programa Fome Zero e participando da constituição e funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).
2. A gravidade dos problemas alimentares e nutricionais no Brasil, entre os quais se destacam o flagelo da fome e da desnutrição, bem como a obesidade e outros distúrbios nutricionais, torna imperiosa a formulação de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional que contemple os requisitos para a busca deste que deve ser um objetivo estratégico permanente das nações, ao lado da soberania alimentar e da promoção do direito humano à alimentação.
3. Entre estes requisitos, destacam-se a imediata adoção de ações e programas de caráter estrutural que alterem o atual modelo de desenvolvimento na direção de torná-lo socialmente justo e ambientalmente sustentável, e também o enfrentamento dos fatores geradores do quadro atual de estagnação e desemprego. Neste sentido, é preciso que, entre as diversas políticas a serem implementadas, se assuma o compromisso e a imperiosa necessidade de realização de ampla e massiva reforma agrária no país, como uma das principais políticas estruturais, de geração de emprego e renda, aumento da produção de alimentos, combate à fome e às desigualdades sociais, fundamental portanto na busca da segurança alimentar e nutricional. Da mesma maneira, o governo deve prosseguir avançando na política de fortalecimento da agricultura familiar, dando seguimento às decisões já tomadas em relação ao Plano de Safra 2003/2004, originadas no CONSEA.
4. Reconhecemos a necessidade de políticas emergenciais que supram adequadamente as necessidades daqueles em condição de vulnerabilidade, sempre dentro do princípio de que estas políticas tenham também um caráter emancipatório dos atendidos por este tipo de assistência.
5. Valorizamos a solidariedade manifestada por diferentes formas em nossa sociedade, mas queremos aqui reafirmar que somente através de políticas públicas apropriadas e aplicadas com inarredável vontade política, o Brasil poderá superar o problema da fome e da insegurança alimentar, na vergonhosa magnitude que ainda ocorre. Cabe assinalar que temos no país inúmeras experiências exitosas de enfrentamento da insegurança alimentar, seja no plano de governos locais, seja a partir de iniciativas da própria sociedade. O diálogo entre governo e sociedade, assim, é condição essencial para a construção dessas políticas.
6. No atual contexto, queremos destacar a importância de que o país assuma de forma corajosa a decisão contra a liberação dos produtos transgênicos para cultivo comercial em larga escala e consumo da população, reafirmando o princípio da precaução. Este posicionamento deve basear-se na existência de grandes incertezas na comunidade científica internacional e brasileira em relação aos riscos que estes produtos representam para o meio ambiente, a saúde dos consumidores, a autonomia dos agricultores familiares e a economia nacional.
7. Defendemos, também, uma implantação plena e efetiva do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) em toda a sua abrangência de indicadores, como instrumento fundamental para garantia do direito à informação sobre a situação alimentar e estado nutricional pelos cidadãos, dando-lhes a condição para desenvolver o auto-cuidado e a cidadania alimentar.
8. É preciso avançarmos na direção da construção de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, levando em conta a indispensável intersetorialidade das ações e políticas públicas, envolvendo os diversos setores da administração pública que tenham relação com este objetivo, em parceria com as entidades da sociedade civil. Neste sentido, reafirmamos a defesa que sempre fizemos de espaços institucionais que promovam a efetiva interação entre os setores envolvidos e a construção de consensos possíveis na formulação das políticas públicas concernentes às múltiplas dimensões da segurança alimentar e nutricional. Este deveria ser o papel principal do CONSEA, que vem encontrando dificuldades para desempenhá-lo plenamente, e de uma Secretaria Nacional com caráter supra-ministerial, para tornar efetiva a intersetorialidade construída. Procedimento análogo deve ser adotado nos planos estadual e municipal. Assinalamos nosso apoio à formação dessas instâncias de concertação entre governos e representantes da sociedade, desde que garantidas as condições para uma efetiva participação.
9. A IIa. Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, prevista para ser realizada em Março de 2004, assim como as conferências estaduais e municipais que a precederão, serão fundamentais para a ampla discussão das diretrizes da política nacional de segurança alimentar e nutricional e dos instrumentos e formas institucionais necessárias para implementá-la. Conclamamos os governos federal, estaduais e municipais, as várias redes sociais e entidades a terem uma plena participação e prestarem os apoios necessários ao êxito de uma empreitada desta envergardura.
10. A oportunidade de que o país alcance a condição da segurança alimentar e erradique a fome é inédita em nossa história. Neste momento em que nosso companheiro, Dom Mauro Morelli, luta pela vida com a força e coragem que sempre demonstrou nas lutas que empreende contra a fome e pelo direito à segurança alimentar e nutricional, trazem grande inspiração para nossa caminhada e aprofundam nosso compromisso frente a este desafio. Expressamos nossa solidariedade a seus familiares e a certeza de tê-lo novamente entre nós.
São Paulo, 23 de julho de 2003
Assinam esta declaração os 161 delegados do IV Encontro.