Brasil: biocombustíveis e a submissão econômica
"Esse caminho de investir no agronegócio é prejudicial do ponto de vista social, porque não gera empregos. De certo modo, os problemas sociais nas grandes metrópoles são ocasionados por conta das migrações do campo, porque os agricultores não têm mais o que produzir, não têm mais terras e essas grandes monoculturas empregam pouca gente”.
A proposta do governo federal, de tornar o Brasil um grande exportador de etanol, deve ser entendida como um “problema” para o país, diz Sérgio Schlesinger à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone. Na avaliação dele, “o país está mais uma vez sendo submetido a um modelo baseado na produção e exportação de commodities, o que não é recomendado do ponto de vista econômico”.
Na entrevista a seguir, ele assinala as implicações socioambientais da expansão da soja no Mato Grasso e critica os investimentos no desenvolvimento de monocultivos. “Esse caminho de investir no agronegócio é prejudicial do ponto de vista social, porque não gera empregos. De certo modo, os problemas sociais nas grandes metrópoles são ocasionados por conta das migrações do campo, porque os agricultores não têm mais o que produzir, não têm mais terras e essas grandes monoculturas empregam pouca gente”.
Sérgio Schlesinger é economista e consultor da Fundação de Atendimento Socioeducativo – Fase. É autor de Dois casos sérios no Mato Grosso. A soja em Lucas do Rio Verde e a cana-de-açúcar em Barra do Bugres.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que percentual da região mato-grossense é ocupada pelas lavouras de soja? E por quais razões a expansão dos monocultivos avança nessa região?
Sérgio Schlesinger – Não tenho esse dado de qual é o percentual, mas sabe-se que o Mato Grosso, até o final da década, representará 40% da soja plantada no Brasil. O Cerrado é a maior área de expansão prevista, até no zoneamento da cana-de-açúcar, feito pelo governo em 2009. A preocupação com a cana-de-açúcar no Cerrado é que 80% das usinas no Mato Grosso estão instaladas na Bacia do Alto Paraguai, onde a expansão foi proibida justamente porque essa bacia é parte importante da recarga de água do Pantanal. Então, toda a contaminação da cana-de-açúcar, além dos agrotóxicos, acaba por ameaçar a sobrevivência do Pantanal também.
IHU On-Line – Quais os desequilíbrios socioambientais causados pela expansão das lavouras de cana-de-açúcar e soja?
Sérgio Schlesinger – Nunca dá para separar a questão social da ambiental. Os agrotóxicos, por exemplo, matam a vida dos rios, as espécies marinhas. Então, há um impacto ambiental da redução da biodiversidade e, ao mesmo tempo, populações de pescadores e de indígenas, que vivem da pesca, passam a não produzir mais. Esse é um problema seríssimo na região mato-grossense, porque é onde nascem os mais importantes rios e as bacias brasileiras, os quais abastecem a Amazônia, o Sudeste, o Sul e até outros países, que estão sendo destruídos. Não há mais peixes; uma parcela equivalente a 90% dos alimentos consumidos na região vem de fora, do Paraná, de São Paulo. Então, só se produz alimentos para exportação, alimentos para a ração animal, como o milho e a soja, frango para a exportação. Isso gera outros problemas como o de a população ter de pagar muito mais caro pelos alimentos, outros ficam sem terra, sem possibilidade de produzir, porque a sua produção é destruída por agrotóxico ou contaminada.
IHU On-Line – Como o senhor vê a aprovação do Projeto de Lei 626/2011 pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado, que revê o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e autoriza seu plantio em áreas alteradas e nos biomas Cerrado e Campos Gerais na Amazônia Legal, para estimular a produção de biocombustíveis no país?
Sérgio Schlesinger – É um perigo. Tanto na Câmara de Deputados quanto no Senado há projetos de lei tramitando e eles vão no sentido contrário do zoneamento da cana-de-açúcar editado em 2009 como decreto e como projeto de lei. Estão tentando modificá-lo e isso é perigosíssimo. Toda monocultura é prejudicial do ponto de vista socioambiental e, portanto, deve ser contida. O país deve produzir alimentos de maneira saudável, sem a utilização de agrotóxicos, que é obrigatória nas monoculturas e, sobretudo, na Amazônia, na Bacia do Alto Paraguai, pelas razões que eu já falei.
IHU On-Line – Qual é o cenário atual da produção de combustíveis renováveis no Brasil, em particular de etanol e biodiesel? Economicamente, a conta é viável?
Sérgio Schlesinger – A produção de biodiesel é um projeto da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – ABIOVE, na qual atuam as grandes multinacionais e algumas empresas nacionais menores. O Ministério de Desenvolvimento Agrário procurou incluir a agricultura familiar nesse projeto para gerar rendimento. Mas o que aconteceu? Hoje, mais de 80% do biodiesel é produzido com óleo de soja, um produto da cesta básica. Então, quando pensamos na viabilidade econômica, é preciso lembrar que essa produção é subsidiada pelo governo, e que a agricultura familiar quase não participa desse projeto.
Depois do óleo de soja, a matéria-prima mais importante para a produção de biodiesel é a gordura animal, que também é comprada de grandes empresas, como a Friboi e a Brasil Foods, processo que acaba gerando a renda concentrada. Falar em viabilidade econômica significa falar em distribuição de renda. Por enquanto, o país tem feito o contrário quando desenvolve esse tipo de modelo.
IHU On-Line – No caso específico da produção de etanol, há um discurso de que se tem uma preocupação ambiental por causa das mudanças climáticas. Essa justificativa justifica a produção?
Sérgio Schlesinger – É claro que ele é menos nocivo do que o petróleo em termos de emissão de gases de efeito estufa, mas não é neutro, porque não se leva em consideração, por exemplo, que é utilizada uma quantidade enorme de agrotóxicos, e que esses agrotóxicos são produzidos com petróleo. Também não se leva em consideração que a produção de alimento está, sim, sendo prejudicada pela expansão dos biocombustíveis. Quando se fala em resolver o problema do aquecimento global, temos de falar em redução de consumo primeiramente. Nós temos de ter – e esse é um bom momento para falar isso – transporte público bom, precisamos ter menos automóveis, mudar nossos hábitos de consumo, além de buscar, é claro, tecnologias de produção novas e que sejam menos impactantes. Isso porque esses agrocombustíveis consomem recursos naturais importantes; eles contribuem para destruir áreas ainda preservadas e causam uma série de problemas, inclusive de emissões.
IHU On-Line – Como vê a proposta do governo de tornar o Brasil um grande exportador de etanol?
Sérgio Schlesinger – Esse é outro grande problema para o Brasil. O país está mais uma vez sendo submetido a um modelo baseado na produção e exportação de commodities, o que não é recomendado do ponto de vista econômico. Basta ver as trocas desiguais às quais o Brasil vem sendo submetido. Para a China, por exemplo, o país exporta basicamente soja, minerais de ferro e importa tudo o que contém tecnologia e conhecimento humano, que é o que efetivamente dá valor ao que se produz. A indústria brasileira está encolhendo. Nas décadas de 1960 e 1970, os vagões das locomotivas brasileiras eram todos produzidos no Brasil; hoje, os novos são importados da China.
Então, esse caminho de investir no agronegócio é prejudicial do ponto de vista social, porque não gera empregos. De certo modo, os problemas sociais nas grandes metrópoles são ocasionados por conta das migrações do campo, porque os agricultores não têm mais o que produzir, não têm mais terras e essas grandes monoculturas empregam pouca gente.
IHU On-Line – Quais são as alternativas econômicas e produtivas mais adequadas e adaptadas à Amazônia, ao Cerrado e à região mato-grossense?
Sérgio Schlesinger – Investir no campo extrativista, agroecológico, e em tipos de produtos que gerem renda nas populações locais, que preservem o meio ambiente, em vez de fazer do campo um local para equilibrar a balança comercial, porque isso tem um custo muito elevado para nós e para as gerações futuras.
Fuente: Instituto Humanitas Unisinos